Julie and the Phantoms/Netflix/Divulgação

Netflix

Crítica

Julie and the Phantoms - 1ª temporada

Versão americana da série brasileira do Nickelodeon tem todos os elementos de uma produção infanto-juvenil e deve agradar a um público bem específico

15.09.2020, às 10H50.
Atualizada em 15.09.2020, ÀS 23H15

Muitos dos leitores que estiverem passando por aqui agora sabem qual foi a sensação de crescer absorvendo a cultura pop promovida pelas manhãs e tardes da televisão aberta. Os desenhos alternavam espaço com as séries que eram compradas e exibidas pelos nossos canais, geralmente logo antes do almoço ou mais tarde, antes da novela das seis. Comédias familiares, comédias passadas no high-school ou mesmo comédias musicais, que fabricavam ídolos ao redor do mundo. Miley Cyrus, Zendaya, Demi Lovato... os nomes são muitos. A fórmula era tão certeira que chegou até ao cinema, com o fenômeno High School Musical, que catapultou Zac Efron e Vanessa Hudgens para a fama.

O Brasil não ficou para trás. Embora as versões musicais da Malhação tenham conseguido mais apelo popular, uma série do Nickelodeon em parceria com a Band chamou a atenção dos executivos americanos e acaba de ganhar sua versão norte-americana. Julie e os Fantasmas estreou em 2011 e teve somente duas temporadas (aparentemente planejadas para serem as únicas). A nossa Julie era Mariana Lessa e ela também tinha três amigos fantasmas que aqui eram vividos por Bruno Sigrist, Marcelo Ferrari e Fábio Rabello. A série não foi tão vista no nosso território, mas colecionou participações especiais de peso como Manu Gavassi, Kiko Zambianchi e Penélope Nova.

Agora, tantos anos depois, um banho de loja foi dado na história e Julie and the Phantoms estreou no Netflix sob a tutela de Kenny Ortega, o diretor responsável justamente por High School Musical e também por Os Descendentes. A escolha foi certeira, já que Ortega é o nome mais forte desse setor, que mistura encenação e música de uma maneira que não é exatamente como a dos musicais, mas que dá muito certo com a garotada. Em suma: os personagens não dialogam cantando e sim se apresentam como cantores, o que justifica o uso do recurso.

A história de Julie and the Phantoms não busca exatamente a verossimilhança. Depois de perder a mãe e amargar um período em que desiste da música, Julie (Madison Reyes) encontra um CD antigo em sua garagem e ao tocá-lo, recebe a visita de três fantasmas. Luke (Charlie Gillispie), Alex (Owen Patrick) e Reggie (Jeremy Shada) morreram na década de 90 após comerem cachorro-quente envenenado e nunca tiveram a chance de conhecer o sucesso. Porém, agora eles tem uma nova chance, já que quando tocam junto com Julie, conseguem se tornar visíveis e audíveis para os vivos. Daí surge a ideia da banda, que justifica os desaparecimentos e aparecimentos dos rapazes dizendo aos outros que eles são hologramas (sim, hologramas, os melhores do mundo).

Fantasminhas Camaradas

Antes de qualquer coisa é preciso estabelecer que Julie and the Phantoms é uma série com um público-alvo muito demarcado. A escolha de seu diretor, inclusive, apoia essa afirmação de uma maneira definitiva. Dito isso, é importante lembrar o tempo todo que muitas das limitações lógicas da série fazem parte de um lúdico que vai se comunicar com crianças e adolescentes até no máximo 12 anos. Qualquer expectativa além dessa pode ser frustrante. A linguagem, o conceito, o enredo, o texto, tudo é ingênuo, superficial, pasteurizado, inofensivo. E é esse exatamente o objetivo: criar uma história que sirva como desculpa para lançar músicas e vender álbuns.

Tudo na série é envernizado. A família de Julie mesmo tendo sofrido um trauma, é perfeita. A escola é perfeita, todos têm dinheiro e poderiam ser modelos de qualquer agência. A curta primeira temporada se foca em apresentar os personagens e estabelecer a parceria entre a protagonista e os fantasmas. Mesmo assim, encontra um tempinho para desenvolver um ou outro plot. Porém, a cautela é tanta que mesmo havendo uma óbvia ligação romântica entre Alex e Willie (Booboo Stewart), ninguém ousa usar a palavra gay. O mundo de Julie and the Phantoms é todo esterilizado e é claro que por conta disso, um pouco oportunista.

As canções da série são seu principal forte. Tudo é muito bem produzido e tem um real apelo comercial. Os números de apresentação das canções também dependem de uma lembrança constante de que estamos falando de uma produção infantil, já que algumas regras da mitologia podem ser um pouco estranhas. Os fantasmas ficam visíveis quando tocam, mas os instrumentos também somem e aparecem. Eles não conseguem tocar em objetos sem muito treino, mas ao mesmo tempo trocam de roupa e sentam em cadeiras. Além disso, demoram vários episódios até falarem no mais óbvio: se voltaram para a Terra depois de mortos, como estarão suas famílias? De fato, apenas um deles demonstra essa preocupação.

O nome mais famoso do elenco é Cheyenne Jackson, que surge como o vilão que tem a função de expandir essa mitologia, para que os roteiros possam relaxar e não se preocuparem tanto com a dinâmica morto X vivo. É um vilão que também está construído no melhor estilo Disney Clássica, com planos mirabolantes, capas e risadas maléficas. Contudo, seu número de apresentação é o mais complexo e interessante de toda a temporada. Cheyenne tem muita experiência no gênero e revela a discrepância de coisas simples, como a dublagem das músicas. Madison tem muita dificuldade de convencer que está cantando e não dublando, o que se estende até certo ponto aos fantasmas. Glee, por exemplo, era impecável nessa questão e isso fazia toda diferença.

Apesar das nossas “críticas adultas”, Julie and the Phantoms cumpre seu papel de entreter e de fabricar hits. Não é uma série para ser levada a sério e por conta disso, acaba tendo uma qualidade redentora. Julie tem carisma, sua amiga Flyn (Jadah Marie) é um achado e a história vez ou outra usa bem o universo que construiu. Porém, quanto ao sucesso, ele é incerto. Esse modelo de produção infanto-juvenil parece preso aos mesmos anos 90 em que morreram os rapazes da banda. Aparentemente mesmo o público mais infante não consegue mais ficar em frente à TV sem exigir do que está vendo algumas doses de cinismo.

Nota do Crítico
Regular