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Crítica

Depois de zoar o super-herói carniceiro, Kid Cosmic volta satirizando o fanboy

Animação de Craig McCracken estende seus comentários, enquanto a trama redistribui papéis

10.09.2021, às 17H02.

Enquanto o canal CW não decide se fará mesmo uma série em live-action de As Meninas Superpoderosas (o presidente do canal reclamar que o piloto ficou afetado demais parece sinal de que ele não entende muito bem do desenho animado), o criador das Meninas, Craig McCracken, continua se divertindo demais com seu retorno aos desenhos de super-heróis. Kid Cosmic.

Sete meses depois da primeiro leva, a Netflix agora estreia a segunda temporada, que acompanha as aventuras de um bando sem o menor talento para o super-heróismo - agora no espaço sideral. Se a primeira temporada brincava, num tom que ia da sátira para o drama mais emocional, com as fórmulas de Lanterna Verde, Liga da Justiça e supergrupos em geral, a segunda temporada aproveita a ambientação (agora sim) cósmica para estender a piada a Galactus, Thanos e à Manopla do Infinito.

Nada disso é dito literalmente no desenho, mas não é preciso ser Steve Rogers para entender as referências. Ao fazer do vilão Fantos (lindamente dublado pelo comediante Bobby Moynihan) um fanboy que ainda mora na nave da mãe (e a usa como minion) e só pensa em colecionar todas as 13 pedras do poder, McCracken amplia o escopo do seu sarcasmo para cobrir o próprio público nerd. Parece ser uma extensão natural da crítica que ele fazia na primeira temporada, cujo alvo, em tempos de Snyder Cut, eram os super-heróis carniceiros e sua obsessão pela pose, pela marra.

A moral de Kid Cosmic continua sendo a mesma: num tempo em que a solidariedade parece fora de moda, e que super-herói virou sinônimo de revanchismo e não de altruísmo, McCracken reeduca as crianças nas boas lições da empatia. A segunda temporada não difere muito da primeira nesse sentido, e para não parecer tão repetitivo o seriado redistribui funções: Kid deixa o protagonismo para a líder da equipe, Jo, que agora assume para si a responsabilidade de derrotar o planeta devorador Erodius, uma missão que parece muito mais triunfal do que ficar anotando pedidos no restaurante da mãe.

Esse truque de redistribuir papéis depois acaba assolando Kid Cosmic na segunda metade da temporada, quando as coisas parecem mudar só porque precisam mudar - os poderes das joias se multiplicam, sempre trocam de mãos, e os últimos episódios mergulham num caos que não é necessariamente criativo: não é o caos bem-vindo das soluções narrativas anárquicas, é o caos de quem parece mesmo guiar às cegas sem um desdobramento muito bem definido para os personagens.

Mesmo assim, visualmente Kid Cosmic continua sendo um desbunde. Por mais que as técnicas de animação em 2D pareçam limitadas (a série consegue manter esse ritmo rápido de produção porque muitos planos sequer exigem movimento no cenário ou nos objetos, só nos personagens) elas continuam dando ao desenho seu frescor de velha guarda, e o tempo de comédia de McCracken segue afiado mesmo quando parece já se conformar com o básico.

Quem viu a primeira temporada de Kid Cosmic talvez sinta que o ano dois não arrebata do mesmo jeito, porque afinal a novidade das dinâmicas dos personagens já se diluiu um pouco. Ainda assim, continua sendo um prazer acompanhar como McCracken consegue inserir a sua defesa da solidariedade na própria estrutura da história: nenhum coadjuvante será abandonado pelo caminho, inclusive vilões se tornam figurantes fixos do elenco com frequência, e ao final da jornada esse acúmulo só pode resultar mesmo numa apoteose desordenada. A noção de que cada episódio não é uma aventura isolada e sim terá consequências (nem que seja engrossar o elenco) é o máximo de gravidade e sisudez a que a série se permite, e de resto seus comentários irônicos sobre o estado da cultura de fã estão sempre aí pedindo para serem feitos.

Nota do Crítico
Ótimo