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Crítica

Locke & Key - 1ª Temporada

Construíndo uma curiosa mitologia, série engasga com incoerências

12.02.2020, às 19H08.
Atualizada em 12.02.2020, ÀS 19H32

Após anos reinando soberana entre os serviços de streaming, a Netflix viu o surgimento de concorrentes que aos poucos estão retirando propriedades da plataforma para enriquecer seus catálogos. Em busca de produções originais, o serviço passou a investir em filmes de cineastas renomados como Alfonso Cuarón e Martin Scorsese, longas reconhecidos em festivais como Jóias Brutas e Meu Nome é Dolemite, e também adaptações inéditas de obras que fujam do mainstream. Um bom exemplo da última categoria é Locke & Key, adaptação da HQ homônima escrita por Joe Hill e desenhada por Gabriel Rodriguez. Misturando fantasia e horror e cheia de homenagens a obras clássicas, a primeira temporada do seriado não aproveita seu potencial por completo.

À primeira vista, Locke & Key pode parecer uma tentativa de embalar o sucesso de produções como Stranger Things. Tendo como protagonista os jovens irmãos Tyler (Connor Jessup), Kinsey (Emilia Jones) e Bode (Jackson Robert Scott) Locke, a produção quase toma o velho caminho de “crianças versus forças sobrenaturais” de forma protocolar. A seu favor, a série cria uma rica mitologia capaz de mexer com a imaginação do público e criar um vínculo baseado não só no temor pelo bem estar dos heróis, mas também na curiosidade a respeito de suas próximas descobertas.

Junto de sua mãe Nina (Darby Stanchfield), o trio se muda para uma antiga mansão da família em Massachusetts após o traumático assassinato do patriarca Rendell (Bill Heck) em Seattle. Lá, eles descobrem que a casa é cheia de chaves mágicas que conferem poderes sobrenaturais a quem as utilize. Capazes de levar seu usuário a qualquer lugar, transformá-lo em fantasma e até literalmente abrir sua cabeça, os artefatos mostram o lado mágico do mundo aos Locke. Conforme o trio descobre as chaves, acabam cruzando o caminho de Dodge (Laysla De Oliveira), figura ligada ao passado de seu pai que precisa das chaves para se libertar de uma prisão mágica e tomar o poder.

Com potencial de cair no gosto do público graças ao seu universo tão particular, a primeira temporada infelizmente sofre com uma direção que não confere peso aos acontecimentos. Cenas chave, como o assassinato de Rendell, são executadas sem brilho algum, de forma quase preguiçosa. Isso afeta a narrativa da temporada como um todo, pois é apenas nos episódios finais em que encontra a coerência e a gravidade que a trama exige.

A inconsistência pode ser encontrada também no elenco. Por um lado há o Bode de Jackson Robert Scott, um dos personagens mais carismáticos ao transmitir verdade em sua versão de uma criança criativa que está amadurecendo, e também Emilia Jones, que se esforça para tornar Kinsey uma adolescente verossímil em suas angústias e falhas. Por outro, o Tyler de Connor Jessup e especialmente a Nina de Darby Stanchfield não conferem o peso da culpa que seus personagens carregam, e por vezes parecem perdidos em suas próprias tramas. Este problema fica ainda mais evidente quando estão acompanhados de personagens coadjuvantes, que não raramente roubam os holofotes justamente por entender o tom dramático que as cenas pedem.

Por outro lado, nota-se desde os primeiros episódios que a série faz um bom trabalho na transição das HQs para as telas. Sem medo de fazer modificações em prol da história a ser contada, a produção encontra uma forma própria de abordar eventos, personagens e até artefatos mágicos. Se o quadrinho é quase totalmente focado nos irmãos Locke, o seriado distribui o foco entre seus protagonistas e coadjuvantes, dando espaço para que o quebra-cabeças seja montado por várias peças diferentes.

Assim como no quadrinho que usa de base, a série faz questão de prestar reverência às obras que servem como inspiração. Não demora muito para que as crianças cheguem à conclusão de que magia não funciona em adultos “assim como em As Crônicas de Nárnia”, ou que os mais velhos passem a fazer parte de um clube de fãs de horror chamado Esquadrão Savini, em homenagem ao Tom Savini, especialista em efeitos especiais conhecido por filmes como Despertar dos Mortos e Sexta-Feira 13. A produção é inteligente em não apostar apenas na nostalgia, mas também dar espaço para a cultura pop atual, com acenos a Harry Potter e Billie Eilish.

Com um forte gancho deixado para o futuro, não é de se estranhar que a equipe já esteja trabalhando na segunda temporada. Dona de uma mitologia que abre infinitas possibilidades, Locke & Key pode se tornar uma das mais marcantes obras dessa geração. Mas, para isso, precisa encontrar uma forma de contar sua história sem se perder em si mesma.

Nota do Crítico
Bom