Desde que começou a ser produzida pela Netflix, Lucifer tem tido mais chances de ousar. Mesmo mantendo sua estrutura procedural, a presença no streaming deu um pouco mais de liberdade para que a série explorasse mais tramas nonsense e brincasse um pouco mais com a natureza pecaminosa de seus personagens principais sem a necessidade de se preocupar demais com o que essas escolhas causariam na audiência. Depois da quarta temporada usar essa segurança para elevar os níveis de sensualidade dos personagens - especialmente do protagonista Tom Ellis -, o quinto ano investe nas tramas novelescas que, apesar de presentes desde o primeiro episódio da série, ganharam força com problemas familiares e desencontros amorosos.
Como já foi dito há quase um ano, a primeira metade da quinta temporada de Lucifer abusou até demais do formato cheio de ganchos e intrigas de folhetins. Embora Tom Ellis tenha entregado uma atuação divertida como Lúcifer e Miguel, o embate entre os dois arcanjos se tornou cansativo, muito por ser um dos poucos pontos de tensão daquela leva de episódios. Repetitiva, a inimizade entre o Capiroto e seu irmão gêmeo foi felizmente deixada de lado na segunda leva de episódios do quinto ano, que, mesmo apoiada em características novelescas, deu mais espaço para os elementos surreais da série.
Assim como Ellis, que continua se divertindo como o Cramunhão, o elenco de Lucifer se mostra completamente confortável com as situações ridículas da série, algo que se refletiu na qualidade de suas atuações. D.B. Woodside, Rachel Harris e Kevin Alejandro, por exemplo, comandam alguns dos momentos mais hilários, seja com trapalhadas de pais de primeira viagem ou num episódio de desventuras no estilo de Se Beber, Não Case. Ao mesmo tempo, as interpretações de Lesley-Ann Brandt e Aimee Garcia deram mais profundidade às suas personagens e, fugindo da forma básica de alívio cômico de outras temporadas, protagonizaram cenas emotivas e pesadas - além do melhor número do episódio musical. No elenco principal, talvez apenas Lauren German não fuja tanto do comum para sua personagem, embora ainda entregue um trabalho sólido.
A brincadeira com gêneros diferentes, inclusive, é o que de fato salvou a quinta temporada do marasmo total. Enquanto a primeira metade dos episódios focou quase exclusivamente no formato procedural, com apenas um episódio fugindo da fórmula, a segunda parte ousa mais, com números musicais, comédia física e uma batalha celestial relativamente divertida, apesar dos efeitos visuais limitados. O questionamento existencial proporcionado pela chegada de Deus (Dennis Haysbert) ajudou a amarrar toda essa variedade de temas e tramas, além de causar momentos de reflexão pessoal no Tinhoso de Ellis.
Os roteiristas de Lucifer também merecem elogios pelo trabalho neste novo ano. Embora derrape em algumas frases de efeito batidas e uma ou outra piada mal colocada, a equipe por trás do script encontrou no humor autorreferente um jeito divertido de contar a história do Capeta detetive. Brincando com clichês do procedural, a produção consegue deixar até algumas reviravoltas óbvias interessantes, especialmente em sua reta final.
Assim como em temporadas anteriores, Lucifer não revoluciona o gênero policial, mas diverte e emociona na medida certa. Mesmo que comece com alguns problemas de ritmo, a produção é uma ótima série de conforto, especialmente para quem gosta de uma boa e sadia galhofa.