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Crítica

A Máfia dos Tigres

Série documental da Netflix sobre o submundo da criação de animais selvagens nos EUA é o entretenimento que precisávamos para a quarentena

07.04.2020, às 10H31.
Atualizada em 07.04.2020, ÀS 10H45

“Not Your Average Joe” é o título do episódio que abre A Máfia dos Tigres, nova série documental da Netflix, e não poderia ser mais perfeito. Em tradução livre, significa algo como “não é o Joe que você está acostumado”. Entre outras palavras: um tipo de pessoa que você não encontra facilmente. Assim é Joe Exotic, principal personagem de produção e, literalmente, um dos mais exóticos de qualquer documentário disponível no serviço de streaming.

A série mostra todas as facetas de Joe: ex-proprietário do G.W. Zoo, um zoológico privado aparentemente bem-sucedido, com mais de 200 tigres e outros felinos. Ele é um homem que concorreu à presidência dos Estados Unidos, depois para governador de Oklahoma, youtuber, cantor country e, não menos importante, acusado de contratar alguém para matar sua maior inimiga, Carole Baskin, uma ativista dos felinos de grande porte dedicada a fechar o seu zoológico. A proposta é incrivelmente atraente e quase totalmente dedicada ao espetáculo, com pouco interesse em qualquer senso de verdade – o que não a torna menos especial.

Pode-se dizer que a produção trabalha em três frentes diferentes: história de crime real, documentário da natureza selvagem (quase um National Geographic sem grife) e reality show ruim, daquele que visam o público que se satisfaz com entretenimento de baixo nível. E a mistura é surpreendentemente deliciosa. Além de dissecar a vida e o trabalho de Joe Exotic, a série dirigida por Eric Goode e Rebecca Chaiklin nos apresenta um mundo pouco falado fora das fronteiras brasileiras e que envolve uma milionária quantidade de dinheiro envolvida – com personagens tão excêntricos quanto o protagonista.

Assim como Wild Wild Country, outra série documental de sucesso da plataforma, que contou a história do falso culto liderado pelo guru Osho, A Máfia dos Tigres é sobre a cultura que envolve a criação de animais selvagens em cativeiro e seus personagens mais exuberantes. Além de Joe, os episódios nos apresentam o mundo de Bhagavan “Doc” Antle, dono do safari de Myrtle Beach, na Carolina do Sul. Tão peculiar quanto o protagonista, Doc também ganhou muito dinheiro permitindo que pessoas comuns realizassem o sonho de pegar no colo – ou apenas estar próximo – um filhote de tigre ou leão. Seus ingressos chegavam a custar mais de 300 dólares e o local chamava a atenção de famosos como o ex-jogador da NBA Shaquille O'Neal. O sucesso era tanto que seus animais eram convocados para participar de filmes de Hollywood dos anos 90 como Ace Ventura e Dr. Dolittle (a famosa versão com Eddie Murphy). Apesar das semelhanças, Doc e Joe comandavam um culto próprio e tinham focos em seguidores diferentes: o dono do safari gostava de mulheres jovens, quase virgens para que pudesse mantê-las sob controle; Joe, por outro lado, gostava de trabalhar com pessoas tão exóticas quanto ele. Suas escolhas foram de ex-presidiários a dependentes químicos em busca de redenção. Mas os dois “gurus dos tigres” os seduziam com um discurso em comum: a possibilidade de trabalhar todos os dias em um negócio surreal e atraente.

Em um mundo sobrecarregado por ações ilegais e disputa de egos, nem o lado que aparenta ser o mais correto no que diz respeito ao tratamento dos felinos de grande porte fica longe das críticas. O episódio focado em Carole Baskin, grande rival e objeto de obsessão de Joe, mostra que a história da ativista aparenta ter muito mais a contar do que ela mesma gostaria de admitir – seja sobre sua vida pessoal ou o seu trabalho no santuário Resgate dos Grandes Felinos, um dos maiores do mundo.

A Máfia dos Tigres é uma tentativa de fazer um documentário sobre um cara que sempre quis ser uma estrela de reality show. Por esse motivo, a série acaba inevitavelmente com um pouco de realidade de baixo nível: Joe é um narcisista volátil e extravagante que faz coisas que são claramente ridículas. É impossível assistir ao que ele faz - e o que alguns dos outros entrevistados fazem e dizem - sem rir. Como bem coloca Joshua Dial, o libertário que trabalhava como gerente de campanha política de Exotic: "Eu já sabia que ele era louco por nossas conversas no Walmart".

Sem dividir entre mocinhos e vilões, a série se mantém fiel ao objetivo que escolheu até o final: entreter. Com um trabalho de pesquisa exemplar, os diretores resgataram não apenas gravações da vida íntima e trabalho de Joe, como entrevistaram quase todos os personagens que passaram por sua vida. O alto número de material utilizado acaba por confundir um pouco a linha temporal da narrativa e, em alguns momentos, a compreensão de quem está ou não falando em defesa de Joe.

Mesmo que Exotic seja o fio-condutor da série, o final recorda quem, de fato, são os verdadeiros protagonistas da vida real e ficam a mercê da ganância do ser humano: os felinos. Mais uma vez Dial aparece com uma frase marcante: “Com tudo o que foi visto, nos esquecemos do que realmente importa: a salvação e preservação dessas espécies em seu habitat natural”.

Nota do Crítico
Ótimo