Isolamento e comunicação não são exatamente temas raros em dramas de ficção-científica, mas é curioso que O Céu da Meia-Noite, produção que encerrou filmagens antes do início da pandemia de Covid-19 chegar aos EUA, foque tanto, e tão bem, nestes dois temas. E apesar do longa se dividir entre dois núcleos de apelos e qualidades diferentes, a produção estrelada e dirigida por George Clooney marca o fim de 2020 com um tom particularmente atual.
No início de O Céu da Meia-Noite somos introduzidos a Augustine (Clooney), um cientista com doença terminal que decide ficar na Terra enquanto a humanidade abandona o planeta, em risco radioativo. Aqui, Augustine fica semanas acompanhando o desenvolvimento de explorações em exoplanetas, na esperança de que alguma equipe de astronautas encontre um novo lar para os terráqueos. No meio de sua pesquisa nosso protagonista se depara com duas surpresas: uma criança deixada para trás na base do Ártico (e que agora precisa acompanhá-lo em seu solitário e entediante dia a dia) e a descoberta de uma equipe de astronautas que retorna de Éter trazendo boas notícias da lua de Júpiter. O que a Comandante Sully (Felicity Jones) não sabe é que a nave não consegue comunicação com a Terra porque o planeta está deserto.
Assim, O Céu da Meia-Noite se divide em dois núcleos totalmente diferentes; aqui, Augustine tenta contato com a nave de Sully enquanto forma um laço peculiar com a criança e, lá em cima, a equipe de astronautas lida com contratempos tradicionais de histórias de espaço sideral. Enquanto o filme de Clooney acerta em cheio no clima solitário do núcleo de Augustine, que passa seus dias retomando memórias cruciais de sua vida, é em sua pretensão de ação que a produção da Netflix peca.
Talvez por uma necessidade de equilibrar o tom contido e meditativo de Augustine, O Céu da Meia Noite deposita um ritmo mais dinâmico no núcleo do espaço, que encontra obstáculos já bem familiares para filmes de gênero: falta de comunicação, chuva de meteoros, uma expedição para fora da nave, um radar quebrado. E enquanto Clooney acerta muito bem no visual, que chama atenção especialmente por ser uma produção de streaming, nada das aventuras dos astronautas compensa em seu contexto. É apenas no desfecho de sua história que Sully e cia. evidenciam uma conexão com o tema do filme, passando grande parte da trama desviando nossa atenção do tom mais encantador de O Céu da Meia-Noite.
E por mais que o foco em cenas de ação esteja nos astronautas, até a melhor sequência de tensão está no arco de Augustine, quando o sobrevivente atravessa o Ártico com a criança para chegar a um satélite de longo alcance. Mesmo assim, este não é exatamente o forte do filme: a tempestade de gelo, filmada em um evento real e muito bem retratada, ainda perde para uma cena singela do longa em que Augustine se comunica com sua nova acompanhante brincando com um prato de ervilhas.
O Céu da Meia Noite é repleto de acertos. A escolha de escalar um outro ator para viver o jovem Clooney ao invés de apostar na tecnologia de rejuvenescimento é ótima (o longa fez um trabalho de combinação vocal de Clooney e Ethan Peck que é surpreendente e inovador), e a habilidade de retratar a falta de gravidade nas cenas de espaço é chamativa. Mas o brilho real na história de Clooney está em cada vez que o longa medita e leva consigo seu telespectador. Sem as distrações de histórias que já vimos antes, O Céu da Meia-Noite é um filme quieto, que retrata lindamente a sensação de isolamento.
No fim das contas, o real triunfo de O Céu da Meia-Noite é Clooney, tanto por sua atuação, quanto pela direção e até em seu personagem. Mas a ideia principal do longa, que permeia cada uma das ações dos astronautas, é a noção de que o amor nos leva a querer salvar o mundo. E apesar de focar no fim da humanidade como conhecemos, O Céu da Meia-Noite é otimista e emocionante, fechando 2020 com um tom esperançoso mais do que necessário.