Distopias não são novidades no universo da cultura pop. Centenas de obras que possuem essa premissa como base já foram criadas e entretêm o público há várias décadas. Enquanto algumas apresentam uma proposta um pouco mais original, outras apenas se inspiram em produções anteriores para conquistar o público com uma história que, no fundo, já foi assistida muitas e muitas vezes. Onisciente, nova série brasileira original da Netflix, se encaixa na segunda categoria.
Após a popularização de Black Mirror, a adição de novos títulos no catálogo do serviço de streaming com a proposta parecida se tornou recorrente. Não por acaso, Pedro Aguilera, criador da série, também é o responsável por 3%, outra produção brasileira situada em um mundo distópico e com algum sucesso entre os assinantes da plataforma. Acontece que, em Onisciente, cada ingrediente que compõe o produto final já foi visto antes de alguma forma. Nina, a protagonista interpretada por Carla Salle, vive em uma cidade onde cada habitante é acompanhado por um drone do tamanho de uma mosca. Tal dispositivo foi criado pela empresa que dá nome à série e observa a tudo e a todos. Nada passa batido pela mosquinha: ela está lá na hora do banho, na hora de dormir e até mesmo nos momentos de intimidade. A semelhança com o Big Brother de George Orwell e seu 1984 não é mera coincidência.
Após a implantação do sistema, o crime na cidade foi praticamente erradicado. Em cinco anos, foram contabilizados apenas quatro homicídios. Ao pressentir que uma ocorrência está para acontecer, o drone é ativado e a pessoa que a cometeria é logo reconhecida. Com o sucesso, o produto da Onisciente foi rotulado como infalível. O problema é que o pai de Nina é encontrado morto em sua casa com um tiro nas costas e a mosquinha não impediu que o crime acontecesse. Isso faz com que a heroína, que não por acaso trabalha como programadora na mesma empresa dos robôs, vá em busca de respostas para descobrir o motivo da morte de seu pai.
Por se tratar de uma distopia futurística, as semelhanças de Onisciente com outras obras não param com 1984. Sua estética relembra a Los Angeles tecnológica que Spike Jonze criou em Ela, com uma direção de arte igualmente minimalista. Mesmo que essas similaridades incomodem a princípio, a direção é bem executada na hora de criar o suspense que gira em torno do mistério sobre o assassinato. A discussão sobre o uso do sistema de drones também é pertinente e faz diversas reflexões ao longo dos seis episódios. Valeria a pena a perda de nossa privacidade para garantir nossa segurança? Mesmo que as imagens sejam acessadas apenas por um computador central, como bem pontuado pelos criadores logo no início, a natureza humana sempre se destacou por sua busca por liberdade. E esses são os argumentos utilizados por quem cometeu infrações após a criação dos drones.
Com um debate filosófico que poderia instigar o espectador, assim como um suspense que trabalha bem a construção do clímax, fica a cargo do elenco transformar essa promessa em uma narrativa interessante. E é aí que encontramos o principal problema da produção.
Encarregada de ser o fio condutor da história, Salle não traduz sua responsabilidade como carisma para que o público torça por Nina. Mesmo que esforçada, a atriz não esboça mais do que três expressões durante toda a temporada. Seja no luto pela morte do pai, nas relações com os amigos ou na tentativa de criar um romance, a heroína parece apática em todos os momentos. Guilherme Prates, que interpreta Daniel, o irmão da protagonista, se mostra um personagem mais interessante por conta de seu contexto na sociedade. Rebelde quando mais novo, o jovem sofre para estabelecer o seu lugar em uma cidade que leva em conta qualquer ocorrência que você tenha em seu currículo, mesmo que a principal seja estourar uma bombinha na privada na época do colégio. Infelizmente, o ator sofre pela falta de destaque no decorrer da trama, renegado ao papel de sidekick da irmã.
O roteiro também não auxilia no desenvolvimento de Nina. Em alguns minutos ela passa de garota certinha a alguém capaz de prejudicar quem ama para conquistar seus objetivos, e faz os dois sem muita convicção. A impressão é que nem a direção, nem os roteiristas sabiam qual seria exatamente o papel de sua heroína na história além da resolução do mistério para melhor definir a sua personalidade. O que não faltam são diálogos verborrágicos entre ela e algum companheiro de cena, principalmente com o par romântico Vinícius (Jonatan Haagensen). Com a sua peça principal não funcionando bem, seus coadjuvantes também ficam aquém do esperado.
Ainda assim, o mundo de Onisciente tem espaço para explorar mais os questionamentos de se viver sob vigilância constante e o que os seus habitantes – e os do mundo afora – tem a dizer sobre isso. O final abre lacunas interessantes para serem preenchidas em uma possível segunda temporada. Resta torcer para que Nina seja capaz de estabelecer o seu lugar na trama para levar essas ideias adiante.