No ano de 1968, diferentes grupos contrários à Guerra do Vietnã se reuniram em um grande protesto em Chicago, local em que acontecia a Convenção Nacional Democrata - evento que anunciou a candidatura de Hubert H. Humphrey à presidência. As coisas saíram do controle, houve tumulto e alguém tinha que pagar por isso. A decisão do governo foi acusar um seleto grupo de pessoas de conspiração em um julgamento que entrou para a história do país. Esse evento histórico é a matéria prima de Os 7 de Chicago, drama histórico de Aaron Sorkin na Netflix, que aproveita seu elenco estelar em um enredo poderoso que ultrapassa as paredes do tribunal.
Por conta da grande cobertura por parte da imprensa, os protestos de Chicago tiveram o slogan de “o mundo inteiro está assistindo”. Em seu segundo filme como diretor, o renomado roteirista Aaron Sorkin usa essa mesma máxima para fazer com que Os 7 de Chicago seja não apenas entendido, mas sentido, por espectadores de qualquer parte do mundo. Essa intenção fica clara logo de cara, quando a montagem rápida explica em questão de minutos a instabilidade social que levou ao famoso tumulto.
Com a inspirada trilha sonora de Daniel Pemberton ao fundo, o filme apresenta cada um dos principais membros da “Quadrilha da Conspiração” com o mesmo destaque de eventos grandiosos como a própria Guerra do Vietnã e os assassinatos de Martin Luther King Jr e Robert Kennedy. A mensagem é clara: o filme é sim sobre a importância histórica desse julgamento, mas é especialmente sobre as pessoas que promoveram tudo aquilo.
Após posicionar cada uma dessas peças e deixá-las prontas para o confronto, Sorkin avança no tempo e vai direto para o julgamento, retomando cada um dos eventos que levou àqueles oito homens - que no decorrer do julgamento se tornariam sete - à corte. De forma nada discreta, Sorkin retoma a narrativa utilizada em A Rede Social, que também recorre à flashbacks nas cenas de disputa jurídica entre Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) e seus antigos parceiros do Facebook. Além de mover a história para frente sem a necessidade de diálogos tediosos, essa escolha abre espaço para que seu elenco de peso brilhe, crescendo à medida que o filme aborda suas diferenças internas.
Se os yippies Abbie Hoffman (Sasha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) enveredam pelo lado mais radical, Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davis (Alex Sharp) preferem uma abordagem mais “limpa”, o que complementa a conduta não-violenta de David Dellinger (John Carroll Lynch). Pelo lado dos acusados, o destaque fica por conta de Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), co-fundador do Partido dos Panteras Negras, cuja presença é essencial ainda que de forma menos direta que os demais participantes.
Consciente da força desses personagens - e aí entra também a inspirada interpretação de Mark Rylance para o advogado de defesa William Kunstler -, a narrativa de Os 7 de Chicago se aproveita de suas diferentes facetas para entregar um drama poderoso. Ainda que o roteiro por vezes pese a mão ao tipificar alguns dos personagens para criar - e até forçar - momentos de redenção ou surpresa, a produção faz valer cada um dos nomes envolvidos. E isso inclui Joseph Gordon-Levitt como o procurador Richard Schultz, e especialmente o Michael Keaton como o ex-procurador geral Ramsey Clark. Por motivos diferentes, a dupla tem menos tempo de tela, mas cumpre seu propósito narrativo de forma mais do que competente.
Em sua carreira como roteirista, Sorkin já provou por diversas vezes que sabe contar histórias baseadas em fatos. Mais do que relatar como o Facebook foi criado (A Rede Social) ou como um empresário revolucionou um time de baseball (O Homem Que Mudou o Jogo), suas histórias têm o claro objetivo de emocionar e entreter em primeiro lugar. Por conta disso, não é estranho se deparar com licenças poéticas que potencializam o efeito dramático. Em Os 7 de Chicago não é diferente, já que personalidades e eventos são moldados de forma a servir ao enredo, e não o contrário.
O mesmo pode ser dito sobre os temas do filme, que não por acaso chega à Netflix em época de eleição nos Estados Unidos. Desde a cena em que Richard Schultz recebe a missão de comandar o processo contra os sete de Chicago até os créditos finais, Sorkin tem a clara missão de enfatizar como a democracia e as liberdades são ameaçadas por abusos governamentais. E é aí que o espetáculo de Os 7 de Chicago fecha seu ciclo, quando recorre a um evento do passado como uma espécie de manifesto por um futuro melhor. Ainda que esse recado caia bem para os espectadores norte-americanos, é uma mensagem que também cai bem no resto do mundo - que definitivamente está assistindo.