Em Oxigênio, uma mulher acorda em uma cápsula criogênica, sem memória de quem é ou de como foi parar ali. Confinada, apenas com a inteligência artificial MILO, ela precisa buscar em suas vagas lembranças uma forma de se libertar antes que seu suprimento de oxigênio se esgote. A premissa do filme da Netflix se inicia como um suspense de ficção científica, mas rapidamente demonstra ser uma forma do diretor Alexandre Aja e da roteirista Christie LeBlanc de lidarem com o isolamento da pandemia da Covid-19.
A protagonista vivida por Mélanie Laurent (Bastardos Inglórios), que logo descobre se chamar Liz, se sacode, luta contra a máquina, chora de angústia, mas percebe que tudo isso apenas drena seu oxigênio com mais rapidez. Tentando se controlar, ela usa o computador para tentar pedir ajuda e entender como se livrar dessa situação toda.
Apesar da locação única, o longa é altamente dinâmico, dosando muito bem a claustrofobia da cápsula selada com as lembranças distantes da mulher e o agravamento de sua situação precária, ao ritmo que surgem mais descobertas e cada vez mais sistemas vão falhando. Muito disso se dá pela excelente direção de Alexandre Aja, que já havia provado entender como criar suspense de qualidade com Viagem Maldita(2006) e Predadores Assassinos(2019). Aqui, o cineasta brinca com movimentos de câmera no espaço limitado, seja para reforçar a solidão ou intensificar o desespero, sempre com muito estilo e confiança.
Como a única personagem (além da inteligência artificial), Mélanie Laurent impressiona em um papel muito mais complicado do que inicialmente parece. Liz poderia ser apenas desesperada, mas as particularidades da sua situação pedem um certo nível de autocontrole e calma quase impossíveis de serem alcançadas nesse contexto, mas absolutamente necessários para sobreviver por mais alguns minutos. A atriz atinge esse delicado equilíbrio entre o surto e a sanidade, entre alucinações, perigos e reviravoltas que colocam sua percepção da realidade em xeque.
São essas reviravoltas que elevam Oxigênio além de um suspense muito bem executado. Entre tensão pura, o filme gradualmente se mostra um reflexo da crise sanitária em que foi feito, com alegorias bastante diretas à pandemia da Covid-19. O cineasta e a roteirista examinam a sensação contemporânea de isolamento e falta de perspectiva pela ótica da ficção científica, do horror corporal e psicológico. Deixando os spoilers de lado: o cerne do filme é a luta para manter a vida e a sanidade em meio a um cenário completamente desconhecido, dependendo apenas da memória de tempos melhores, da tecnologia e do escasso contato humano virtual para contornar a solidão e a agonia.
Oxigênio é um ótimo exercício em criar tensão sufocante (literalmente) com poucos recursos, que cresce ainda mais quando espelha com honestidade - e até um pouco de brutalidade - a descrença de quem já perdeu as esperanças no mundo atual, mas que isso nem por isso deixa de lutar pelo amanhã. Produções de pandemia são uma tendência que só vai se tornar mais constante no futuro imediato do audiovisual. Pelo seu poder reflexivo e repleto de significado sem abrir mão do entretenimento, com obras como Host, In The Earth e agora esta, é o horror que lidera essa investida.