Ozark/Netflix/Divulgação

Netflix

Crítica

Ozark - 3ª temporada

Laura Linney ofusca o elenco de Ozark numa terceira temporada que chega aos extremos mais impensados

01.04.2020, às 13H12.

A vida no crime encurta a vida dos envolvidos em alguns bons anos. Em Família Soprano, os mafiosos costumavam dizer que chegar até a terceira idade nessa “carreira” era uma coisa para poucos, já que muitos são presos ou assassinados. Havia um código de conduta a seguir, assim como regras de preservação de membros familiares como esposas e filhos. Quebrar essa regra ou algum dos itens do código de conduta significava uma retaliação à altura. A vida no crime exige cautela. Não é o mesmo que pisar em ovos, é o mesmo que pisar em minas.

Ozark começou quando Marty (Jason Bateman) se viu obrigado a lavar dinheiro para um cartel mexicano e isso significava enquadrar-se em algumas dessas regras. Durante seus dois primeiros anos, a série nunca acessou completamente essa narrativa da conduta criminosa do mesmo jeito que as produções sobre máfia fazem. Marty sempre esteve em risco, sua família sempre esteve em risco, mas isso aparecia nos episódios de forma unilateral, com o protagonista sofrendo ameaças que tinham a ver especificamente com o trabalho de lavagem. A série estava mostrando o envolvimento dele com o crime em uma escala ainda pequena.

Como era de se esperar, conforme a narrativa foi avançando, Marty foi expandindo os negócios, precisando abrir novas frentes, porque a demanda também crescia mais do que um simples coagido poderia imaginar. Tal expansão traz novos elementos. Marty envolve a mulher, os filhos, os parentes, e aqueles códigos de conduta entram em cena para aumentar mais ainda a tensão. A terceira temporada de Ozark chegou aos extremos justamente porque agora não se trata mais só da relação Marty vs cartel. Sua mulher, seus filhos, seu cunhado, sua empregada... É gente demais para adminstrar e, eventualmente, uma ação impensada de um pode resultar numa guerra sem precedentes.

Agente do caos

Wendy (Laura Linney), mulher de Marty, não começou a série com grande presença. Na lista das "esposas dos criminosos ficcionais", ela era mais passiva. Essa galeria inclui as companheiras de Família Soprano, Mad Men, Breaking Bad e também de House of Cards, que teve uma última temporada transgredida do ponto de vista estrutural: Claire, a esposa, se tornou maior que o protagonista, seu marido. Wendy, contudo, começou discreta, seguindo a correnteza, mas deixando escapar uma ânsia existencial relevante, recusando-se a ser a esposa acuada e, pouco a pouco, abrindo caminho nos novos negócios da família, o que incluia, é claro, uma boa quantidade de esqueletos sendo guardados em seu armário.

Dessa vez, Wendy já começou querendo mais. A ideia de abrir cassinos flutuantes tornaria a vida criminosa de Marty supostamente mais fácil. Isso se não fosse a gânancia de sua esposa, que nos primeiros episódios se inebria do surpreendente poder de tomar decisões, ainda que elas não sejam de comum acordo com o marido. Wendy prepara seu terreno, armando, manipulando, mentindo, criando uma relação com o chefe do cartel; e tudo com um ar de superioridade, como costuma acontecer com quem se vê dispondo de um poder limítrofe como esse. Os roteiros são muito espertos porque constroem a ascenção de Wendy com ela ao lado de Helen (Janet McTeer), que é, enfim, a administradora desses códigos de conduta.

Com tantos buracos que os personagens vão ignorando, basta um agente descontrolado para promover o caos. Ozark, então, usa um recurso também típico desses dramas citados e traz à tona um parente descontrolado. Ben (Tom Pelphrey), irmão bipolar de Wendy, chega para passar um tempo, se envolve com Ruth (Julia Garner) e isso é o suficiente para começar uma rede de desastres. Os filhos de Marty sabem da verdade, a filha de Helen não. Ben sabe da verdade, mas a doença lhe impede de manter uma conduta adequada. A explosão de acontecimentos trágicos que vem em seguida fazem o público pular da poltrona, gritar com os personagens, roer todas as unhas... Ozark dá uma aula de como preparar seus espectadores.

Não é uma temporada especialmente forte para Julia e Jason, mas Laura Linney cresce até uma posição impressionante. Há momentos devastadores para Wendy e consequências emocionais que vão transformar a personagem para sempre. A temporada ainda comete alguns deslizes de desenvolvimento, especialmente com Darlene (Lisa Emery) e com os filhos de Marty. Mas o último episódio é tão forte, tem resultados tão extremos, que é impossível não esquecer desses tropeços facilmente superáveis.

Nenhum de nós estava preparado para um gancho final como aquele e a espera para a quarta temporada será dura. O mundo de Marty está completamente revirado e, mesmo sabendo que os roteiristas vão encontrar um jeito de administrar esse caos, será maravilhoso ver a transgredida família Byrde perder mais pedaços de alma no processo de sobrevivência.

Nota do Crítico
Ótimo