A expansão global da Netflix não se limita a disponibilizar a plataforma em vários países, mas também inclui ter conteúdo original de todos os cantos do mundo. Foi assim na Espanha, Brasil, Polônia e agora o streaming chega à Noruega com Ragnarok. Os vários deuses, heróis e contos que compõem a mitologia nórdica são o maior sucesso de exportação do norte europeu. Basta observar Vikings que, mesmo em uma emissora amadora para ficção, conquistou o mundo. A nova produção entende isso e questiona como esses elementos funcionariam no mundo moderno ao trazer a história do jovem Magne (David Stakston), que descobre ter os poderes de Thor, o deus do trovão. Mas o seriado não pode ser descrito apenas como uma história de origem. Na verdade, é uma enorme mistura de gêneros.
A série adolescente combina o autodescobrimento e treinamento do protagonista com um arco de high school, que explora relações e popularidade na escola, mas também toca paralelamente uma conspiração governamental. Para fechar com chave de ouro, há um lado sobrenatural, em que a família que comanda a pequena cidade de Odda através de dinheiro e influência são criaturas anciãs disfarçadas. Ragnarok se bagunça tanto nas abordagens e possibilidades narrativas que até esquece que precisa de algo para contar. Nenhuma trama ganha destaque como a principal e, como consequência, tudo é desenvolvido pela metade.
O programa não parece valorizar muito bem a noção de construir suas viradas. Toda a motivação de Magne em derrubar a família poderosa da cidade vêm da suposta morte acidental de sua única amiga da escola, já que ele suspeita que a polícia e seus professores encobrem a verdadeira causa. O problema é que tudo isso acontece ao longo dos 45 minutos do piloto - que começa com o protagonista, seu irmão e sua mãe chegando na cidade em questão. Quando a garota morre, é difícil sentir qualquer coisa. Porém ela não é a única que desperta esse efeito, afinal nenhum personagem é realmente marcante, fácil de se conectar ou tem algum semblante de naturalidade. Tanto o roteiro quanto as atuações são tão frias quanto os cenários congelados em que Ragnarok se passa. O mais próximo de carisma encontrado aqui é Laurits (Jonas Strand Gravli), o sarcástico irmão de Magne que é uma alusão bastante óbvia a Loki, o deus da trapaça.
O que salva o seriado de ser completamente monótono é sua boa ambientação. Odda não só tem belíssimas vistas montanhosas, muito bem aproveitadas pela fotografia e direção, como também se liga diretamente à premissa. Como informa um professor no primeiro episódio, a pequena cidade norueguesa foi a última do país a se converter ao cristianismo, ou seja, é o lugar onde ocorreu o fim de todos os deuses antigos - evento conhecido na mitologia como Ragnarok. Simbolismos do tipo não são apontados com muita sutileza (geralmente são expostos em diálogos), mas enriquecem o resgate dos contos nórdicos clássicos. Sem esconder o tom ambientalista, o programa olha para a situação atual da Noruega e do mundo, e usa o contraste com conceitos clássicos como forma de crítica política. Mesmo que seja raso e discursivo, há alguns paralelos interessante com as histórias originais. A relação com a natureza era parte integral das crenças dos povos nórdicos, que até usavam os deuses como justificativa para diversos fenômenos naturais.
Quando trazidos para o mundo moderno, os heróis são representados como os jovens ativistas, e os inimigos - criaturas com fome de adoração e destruição chamadas de gigantes - viram as famílias ricas, donas de indústria, cujo poder os livra de qualquer consequência. Ainda que não seja tão bem construída, é a combinação que soa ousada e original. Mesmo sendo facilmente o elemento mais explorado, esse comentário social sofre de desenvolvimento precário e falta de uma conclusão, já que a série apenas termina, sem fechar nenhuma das várias tramas que abre.
Há certa frieza em todo aspecto da obra, seja no texto pró-meio-ambiente, nas atuações, nas lutas sobrenaturais ou no drama adolescente. No fim das contas, Ragnarok surpreende por ser uma mistura de tantas abordagens diferentes que não chega em lugar algum.