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Netflix

Crítica

Vis a Vis: El Oasis - 1ª temporada

Pretensioso, derivado só consegue mesmo esvaziar suas duas personagens mais interessantes

04.08.2020, às 11H23.
Atualizada em 05.08.2020, ÀS 16H58

No mundo seriado os spin-offs são sempre uma nova forma de continuar enriquecendo com um sucesso. Eventualmente, eles também adicionam a essa função uma necessidade artística de corrigir problemas ou revisitar catarses. Os estúdios querem dinheiro, mas muitas vezes os artistas querem apenas reconhecimento. A mesma coisa acontece com revivals. O de Gilmore Girls, por exemplo, era uma necessidade criativa, uma vez que na última temporada da série a criadora Amy Sherman-Palladino não entrou num acordo com o canal e acabou não renovando contrato. A série, então, foi entregue a outras pessoas e as coisas são terminaram como tinham sido planejadas.

A volta de Vis a Vis tem um pouco disso. A série teve duas temporadas iniciais muito fortes, mas elas foram planejadas para serem únicas. Assim como aconteceu com La Casa de Papel, o sucesso fez os envolvidos reverem as coisas e a série foi literalmente ressuscitada. Porém, o tempo entre o fim das filmagens e a notícia do retorno foi tão grande que Maggie Civantos, a protagonista, já tinha se comprometido com As Telefonistas, e Macarena, muito necessária para a fluidez da história, participou de pouquíssimas cenas. A grande rivalidade e polarização entre ela e Zulema (Najwa Nimri) tinha sido perdida e os fãs ficaram com a sensação de que havia coisas para dizer.

Com a saída de Maggie de As Telefonistas acendeu-se uma luz no fim do túnel e um derivado foi anunciado. Vis a Vis: El Oasis aparece no catálogo do Netflix como uma quinta temporada, mas, efetivamente, essa é uma história que difere da original em pontos demais para ser considerada uma continuação exata. Ainda estamos vendo o curso da vida daquelas personagens que já conhecemos, enquanto, ao mesmo tempo, a linguagem e o enredo são tão discrepantes que chamar a produção de “quinta temporada” incomoda aos ouvidos, soa como uma traição a tudo que Vis a Vis construiu e que, infelizmente, esse derivado machucou gravemente.

A premissa era promissora. Como vimos no final da quarta temporada, uma vez fora da prisão, Macarena e Zulema se uniram e começaram a praticar golpes e roubos pelo país. El Oasis começa exatamente no ponto onde Macarena já está cansada da vida de crime e pede para sair. Zulema, então, propõe uma última parceria, um roubo ambicioso dentro da casa do líder de um poderoso cartel mexicano. A ideia é adentrar o casamento da filha do sujeito e, com elegância, executar o plano sem maiores danos para nenhum dos envolvidos. É claro que isso não funcionar perfeitamente e a narrativa, enfim, se divide de modo equivocado entre os eventos do pré, durante e pós-roubo.


El Infierno

Apesar do bom começo, numa sequência incrível em que Zulema tortura de modo muito original dois estupradores que flagra num estacionamento, a ideia de uma história que reuniria os elementos carismáticos e catárticos da série original fica pelo caminho muito rápido. A mensagem feminista é imediatamente identificada nessa sequência, mas dessa vez os produtores não estão interessados numa boa história; o que eles querem é mostrar como dominam uma linguagem estética cinematográfica, pretensiosa e vazia, cujo a única finalidade é atrapalhar a fluidez dos eventos e transformar os episódios em um monte de nada com bela fotografia.

A lista de equívocos é impressionante, mas a montagem talvez seja o mais grave deles. Na intenção de honrar os novos tempos de narrativas fragmentadas, a edição fica indo e voltando de forma aleatória, sem uma preocupação mínima com a construção dos arcos. Já no episódio 2, quando a família que será roubada é apresentada, embates emocionais que só fazem sentido com muitas horas de desenvolvimento, acontecem deliberadamente, sem dar ao espectador o tempo devido de compreensão e apego. Esqueçam o humor, a trivialidade e charme da série original, Vis a Vis: El Oasis acha que todas as cenas precisam ser visualmente elaboradas e hiper dramáticas. Tudo parece “final de filme”, o que torna os diálogos completamente inverossímeis.

Há uma tentativa desajeitada de homenagear – ou talvez apenas copiar – títulos que sorveram do mesmo “vocabulário dramático”. Quando as criminosas começam a recrutar sua equipe, é como se estivessemos emulando Oito Mulheres e um Segredo; ao mesmo tempo, essa também é a premissa básica de La Casa de Papel; isso sem falar nas pitadas de Thelma & Louise que se distribuem pelos episódios e ficam óbvias na ação final. Entretanto, a leveza que esse tipo de referência invoca fica disputando com o fetiche que a direção tem pela ideia de beleza escondida entre ângulos alaranjados e esfumaçados. A miséria humana, com drogas, cigarros e bebidas sempre fez parte da gênese da série, mas El Oasis se inebria de si mesma, achando que esse inferno pessoal é só o que os espectadores querem para acharem o resultado final impressionante. Com tudo sempre tão gritado, sem sutileza, não há desenvolvimento e por consequência, ninguém se importa.

Enfim, o pecado maior cometido pelo derivado foi o de retirar de Macarena e Zulema qualquer chance de abordagem justa. Zulema era, até então, era uma das “vilãs” mais complexas e fascinantes do mundo das séries. Cientes disso, os roteiristas acreditaram que explorar todas as possibilidades da atuação de Najwa era mandatório. Ao decidirem o caminho, foram no mais óbvio: um câncer no cérebro para justificar alucinações e comportamentos bizarros que cansaram a personagem. Zulema virou um “poser”, com uma periculosidade declarada e horas e horas de contemplação e devaneios. Seu grande momento na temporada nem é seu; deve-se a linda presença de Saray (Alba Flores), numa sequência que reúne tudo que todos os outros episódios não tiveram: emoções verdadeiras.

Com essa sendo declaradamente uma última investida nesse universo, os fãs precisam se conformar e esquecer. Vis a Vis fez um derivado para conseguir fechar um ciclo entre as protagonistas, mas acabou fazendo com que os fãs desejassem um outro derivado, só para corrigir esse.

Nota do Crítico
Ruim