No mundo seriado os spin-offs são sempre uma nova forma de continuar enriquecendo com um sucesso. Eventualmente, eles também adicionam a essa função uma necessidade artística de corrigir problemas ou revisitar catarses. Os estúdios querem dinheiro, mas muitas vezes os artistas querem apenas reconhecimento. A mesma coisa acontece com revivals. O de Gilmore Girls, por exemplo, era uma necessidade criativa, uma vez que na última temporada da série a criadora Amy Sherman-Palladino não entrou num acordo com o canal e acabou não renovando contrato. A série, então, foi entregue a outras pessoas e as coisas são terminaram como tinham sido planejadas.
A volta de Vis a Vis tem um pouco disso. A série teve duas temporadas iniciais muito fortes, mas elas foram planejadas para serem únicas. Assim como aconteceu com La Casa de Papel, o sucesso fez os envolvidos reverem as coisas e a série foi literalmente ressuscitada. Porém, o tempo entre o fim das filmagens e a notícia do retorno foi tão grande que Maggie Civantos, a protagonista, já tinha se comprometido com As Telefonistas, e Macarena, muito necessária para a fluidez da história, participou de pouquíssimas cenas. A grande rivalidade e polarização entre ela e Zulema (Najwa Nimri) tinha sido perdida e os fãs ficaram com a sensação de que havia coisas para dizer.
Com a saída de Maggie de As Telefonistas acendeu-se uma luz no fim do túnel e um derivado foi anunciado. Vis a Vis: El Oasis aparece no catálogo do Netflix como uma quinta temporada, mas, efetivamente, essa é uma história que difere da original em pontos demais para ser considerada uma continuação exata. Ainda estamos vendo o curso da vida daquelas personagens que já conhecemos, enquanto, ao mesmo tempo, a linguagem e o enredo são tão discrepantes que chamar a produção de “quinta temporada” incomoda aos ouvidos, soa como uma traição a tudo que Vis a Vis construiu e que, infelizmente, esse derivado machucou gravemente.
A premissa era promissora. Como vimos no final da quarta temporada, uma vez fora da prisão, Macarena e Zulema se uniram e começaram a praticar golpes e roubos pelo país. El Oasis começa exatamente no ponto onde Macarena já está cansada da vida de crime e pede para sair. Zulema, então, propõe uma última parceria, um roubo ambicioso dentro da casa do líder de um poderoso cartel mexicano. A ideia é adentrar o casamento da filha do sujeito e, com elegância, executar o plano sem maiores danos para nenhum dos envolvidos. É claro que isso não funcionar perfeitamente e a narrativa, enfim, se divide de modo equivocado entre os eventos do pré, durante e pós-roubo.
El Infierno
Apesar do bom começo, numa sequência incrível em que Zulema tortura de modo muito original dois estupradores que flagra num estacionamento, a ideia de uma história que reuniria os elementos carismáticos e catárticos da série original fica pelo caminho muito rápido. A mensagem feminista é imediatamente identificada nessa sequência, mas dessa vez os produtores não estão interessados numa boa história; o que eles querem é mostrar como dominam uma linguagem estética cinematográfica, pretensiosa e vazia, cujo a única finalidade é atrapalhar a fluidez dos eventos e transformar os episódios em um monte de nada com bela fotografia.
A lista de equívocos é impressionante, mas a montagem talvez seja o mais grave deles. Na intenção de honrar os novos tempos de narrativas fragmentadas, a edição fica indo e voltando de forma aleatória, sem uma preocupação mínima com a construção dos arcos. Já no episódio 2, quando a família que será roubada é apresentada, embates emocionais que só fazem sentido com muitas horas de desenvolvimento, acontecem deliberadamente, sem dar ao espectador o tempo devido de compreensão e apego. Esqueçam o humor, a trivialidade e charme da série original, Vis a Vis: El Oasis acha que todas as cenas precisam ser visualmente elaboradas e hiper dramáticas. Tudo parece “final de filme”, o que torna os diálogos completamente inverossímeis.
Há uma tentativa desajeitada de homenagear – ou talvez apenas copiar – títulos que sorveram do mesmo “vocabulário dramático”. Quando as criminosas começam a recrutar sua equipe, é como se estivessemos emulando Oito Mulheres e um Segredo; ao mesmo tempo, essa também é a premissa básica de La Casa de Papel; isso sem falar nas pitadas de Thelma & Louise que se distribuem pelos episódios e ficam óbvias na ação final. Entretanto, a leveza que esse tipo de referência invoca fica disputando com o fetiche que a direção tem pela ideia de beleza escondida entre ângulos alaranjados e esfumaçados. A miséria humana, com drogas, cigarros e bebidas sempre fez parte da gênese da série, mas El Oasis se inebria de si mesma, achando que esse inferno pessoal é só o que os espectadores querem para acharem o resultado final impressionante. Com tudo sempre tão gritado, sem sutileza, não há desenvolvimento e por consequência, ninguém se importa.
Enfim, o pecado maior cometido pelo derivado foi o de retirar de Macarena e Zulema qualquer chance de abordagem justa. Zulema era, até então, era uma das “vilãs” mais complexas e fascinantes do mundo das séries. Cientes disso, os roteiristas acreditaram que explorar todas as possibilidades da atuação de Najwa era mandatório. Ao decidirem o caminho, foram no mais óbvio: um câncer no cérebro para justificar alucinações e comportamentos bizarros que cansaram a personagem. Zulema virou um “poser”, com uma periculosidade declarada e horas e horas de contemplação e devaneios. Seu grande momento na temporada nem é seu; deve-se a linda presença de Saray (Alba Flores), numa sequência que reúne tudo que todos os outros episódios não tiveram: emoções verdadeiras.
Com essa sendo declaradamente uma última investida nesse universo, os fãs precisam se conformar e esquecer. Vis a Vis fez um derivado para conseguir fechar um ciclo entre as protagonistas, mas acabou fazendo com que os fãs desejassem um outro derivado, só para corrigir esse.