Na pequena cidadezinha de Capeside, no interior dos Estados Unidos, um grupo de jovens descobre de uma forma lírica e intensa, o que significa crescer de verdade. Depois de uma longa espera, eis que os fãs de Dawson's Creek, um dos maiores sucessos do final dos anos 1990, conseguirão rever a produção, que chegou finalmente ao catálogo da Netflix. Será, também, a oportunidade perfeita para que uma nova geração conheça a série que, entre altos e baixos, foi responsável por muitas transformações na forma como o mercado passou a lidar com produções feitas para adolescentes.
Dawson's Creek estreou na televisão americana na temporada de inverno do hemisfério norte, em 20 de Janeiro de 1998, 23 anos atrás. As redes usavam aquele período do ano em que as principais séries da grade entravam em hiato para testar novos produtos. A série criada por Kevin Williamson foi lançada sob nenhuma expectativa; tanto qu,e numa época em que todos os títulos tinham mais de 20 episódios, apenas 13 foram planejados para aquela que os executivos tinham como a provável única temporada. O sucesso foi tão esmagador que todos foram chamados de volta às pressas para o começo das filmagens do ano dois (o que explica, inclusive, mudanças drásticas de visual e até de elenco periférico).
São muitas as razões que tornaram Dawson's Creek um fenômeno marcante na história da teledramaturgia americana; entre astros que superaram síndromes de primeiro sucesso, marcos na abordagem à diversidade e reconhecimento crítico inesperado, o mundo da série é vasto, e nós separamos apenas dez razões para que você dedique seu tempo a uma maratona dos episódios que compõem a vida ansiosa e lúdica do “riacho do Dawson”.
A trama
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Até a estreia de Dawson's Creek, o mercado das séries adolescentes era dominado por Barrados no Baile, um conceito que perseguiu tudo que veio depois, com jovens de aparência adulta, muito ricos, vivendo problemas que eram tratados de maneira completamente superficial. Porém, funcionava comercialmente e todo mundo estava satisfeito. Kevin Williamson, o criador de Creek, estava decidido a colocar em sua história uma inteligência e naturalidade que não eram comuns na época. A série também era baseada em sua própria adolescência.
Assim, conhecemos Dawson Lerry (James Van Der Beek) que, com 15 anos de idade, sonha em ser diretor de cinema e coloca a criatividade para fora com a ajuda dos amigos Joey (Katie Holmes) e Pacey (Joshua Jackson). Por isso, aliás, os episódios têm nomes de clássicos da telona.
A amizade entre Joey e Dawson, mais especificamente, é apresentada sob uma ótica inesperada para o público da época. Os dois são a completa sequência um do outro e, todos os dias, ela escala a janela do quarto dele livremente, para que passem horas conversando, analisando tudo ou simplesmente assistindo filmes de Steven Spielberg.
Até que um dia Jen (Michelle Williams) chega à cidade. Expulsa de Nova York por conta de seu comportamento destrutivo, ela passa a morar com a avó extremamente religiosa. No incrível episódio piloto, cheio de bucolismo, sensibilidade e diálogos rápidos, a dinâmica provocada pela chegada de Jen força Joey a lidar com os sentimentos pelo melhor amigo, provocando uma surpreendente discussão sobre os limites que separam os processos de amadurecimento de meninos e meninas.
O criador
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É importante reforçar que o nome de Kevin Williamson nos créditos de criação da série faz muita diferença. Kevin também é o criador da franquia Pânico (1996) e de outros slashers juvenis como Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997) e Amaldiçoados (2005). A ironia de sua escrita é sua principal característica, que também apareceu nos primeiros anos de The Vampire Diaries, que ele adaptou para a CW.
Contudo, Dawson's Creek escapa das perseguições na calada da noite para focar apenas nos elementos pessoais da narrativa. A crítica especializada ficou muito surpresa com a qualidade dos diálogos da série, dentro de uma esfera possível para uma época em que o gênero era completamente desacreditado.
O elenco
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Um dos grandes atrativos da série está no elenco, um raro caso de boas relações entre os envolvidos e uma grande taxa de sucesso pós-produção. Curiosamente, James Van Der Beek, que vivia Dawson, foi o que mais sofreu para se desgarrar do personagem. Suas caras de choro viraram os primeiros memes da história e o ator cansou de dizer que a canção de abertura da série o perseguia onde quer que fosse. James, contudo, tomou a decisão de levar tudo com humor e chegou a viver uma versão exagerada dele mesmo na ótima Apartment 23, recheada de piadas irresistíveis sobre seu período vivendo Dawson.
Katie Holmes, que vivia Joey, era o nome mais promissor se formos considerar a maneira como a personagem passou a ser o foco central nos dois últimos anos. Contudo, após o casamento com Tom Cruise, Katie ficou à sombra das excentricidades do marido e hoje em dia é a que menos está em evidência.
Os maiores sucessos ficaram por conta de Joshua Jackson, que teve personagens marcantes nas séries Fringe e The Affair, e sobretudo de Michelle Willliams, que ascendeu no cinema como uma das atrizes mais respeitadas de Hollywood, com notórias quatro indicações ao Oscar.
O elenco principal ainda tinha Keer Smith (que vivia Jack), Meredith Monroe (Andie) e Busy Phillips (Audrey), que participaram em temporadas específicas. Recentemente, numa reunião promovida pela revista Entertainment Weekly, ficou claro que mesmo com o desgaste da proximidade constante por muitos anos, o elenco permaneceu cordial. Michelle e Busy, por exemplo, são extremamente próximas até hoje. É Busy quem acompanha Michelle nas premiações, inclusive.
A trilha
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Talvez Dawson's Creek tenha sido a primeira série adolescente a ter uma real preocupação com sua trilha sonora. Embora o estilo predominante ficasse por conta das baladas românticas, as canções eram estrategicamente inseridas nas cenas para que ajudassem na catarse do momento. As duas trilhas sonoras oficiais foram sucessos absolutos de vendas, mas muitos momentos marcantes da série acabaram não entrando nessa seleção. Algumas faixas só puderam ser ouvidas nas cenas quando os episódios foram exibidos na TV. Por conta de contratos de direitos autorais e problemas no orçamento, canções foram substituídas na versão para DVD. Resta saber qual versão será disponibilizada na Netflix.
Uma curiosidade é que a canção de abertura, "I Don't Want to Wait" (de Paula Cole), foi a segunda opção dos produtores. "Hand in my Pocket", de Alanis Morrissete, seria o tema, mas Alanis mudou de ideia logo antes da série estrear. O hit de Paula Cole acabou se tornando um clássico, mas Alanis marcou presença anos depois, quando “That I Would Be Good” foi escolhida para ilustrar as complexidades de Jen. Nos DVD's da série, a canção de Paula Cole só aparece nas duas primeiras temporadas e no series finale. Nas temporadas restantes ela foi substituída por “Run Like Mad”, de Jann Arden.
Fizeram parte da trilha nomes como James Taylor, Jewell, Sinead O'Connor, The Pretenders, Savage Garden, Semisonic, Train, No Doubt, entre outros.
Dawson
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Alguns dos fãs poderão estranhar que Dawson tenha conseguido uma categoria só para ele nessa lista, visto que personagens que intitulam séries não costumam ser favoritos da audiência. Isso também aconteceu em Grey's Anatomy, com Meredith, por muitos anos. Dawson foi preterido até mesmo pelos próprios responsáveis pela série, que nos anos cinco e seis focaram muito mais em Joey, mantendo Dawson por perto, mas como uma espécie de “Rainha da Inglaterra” do texto.
Mas o mundo de otimismo e sonho que o personagem proporcionava aos que estavam em volta era essencial para manter o argumento da série nos eixos. A trajetória de Dawson, um garoto fã de Spielberg que sonhava com a chance de contar histórias, foi, talvez, a mais segura e protegida da produção, que inevitavelmente cometeu erros no percurso. A paixão do personagem pela arte e o respeito dele pelos processos de criação são características admiráveis até hoje.
Jen e Jack
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Se a dinâmica entre Dawson e Joey podia cansar o espectador em alguns momentos, uma outra dupla atravessou a trajetória da série com um carisma irrepreensível. É difícil falar de Jen e Jack sem entregar spoilers consideráveis para quem não conhece a trama. Mas basta dizer que a amizade entre eles era cheia de humor e leveza e que, principalmente na terceira e quarta temporada, os diálogos que trocavam beiravam a perfeição.
E apesar da jornada de Jack ser muito relevante, acompanhar Jen e sua constante luta pela adequação, pela compreensão do amor e da fé, faz da personagem a mais comovente da série.
Abby Morgan
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Se há uma personagem coadjuvante que merece destaque em Dawson's Creek é Abby Morgan (Monica Keena). Abby surge na primeira temporada como aquela vilã clássica da high school americana, infernizando os alunos da escola e com uma função principal: desmascarar as negações dos personagens principais. Aos poucos, Abby vai sendo detalhada e revela outras camadas, que deixam a personagem ainda mais interessante.
Entre os “feitos” de Abby, estão o episódio que homenageia o filme Clube dos Cinco, quando ela consegue colocar todos os protagonistas uns contra os outros, e um outro episódio, baseado em mistérios e revelações, em que ela decide descobrir quem é o autor de uma carta encontrada no lixo da sala de aula, em que alguém fala sobre o que teria sido “a noite da primeira vez”.
Os marcos
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Tocar em assuntos comuns ao universo dramático adolescente era algo do qual já se orgulhavam produções como Melrose Place, Barrados no Baile e O Quinteto. Algumas outras, como Minha Vida de Cão, conseguiam chegar mais longe, mas acabavam sendo sabotadas pelas próprias redes de TV. Kevin Williamson foi esperto e teve a paciência de primeiro fazer com que os personagens fossem amados a ponto de passarem incólumes por determinadas ousadias.
Assim, a série conseguiu o feito de ser a primeira a exibir um beijo romântico entre dois personagens gays, no horário nobre. Essa foi uma vitória pessoal de Williamson, que precisou lutar muito para manter o fio narrativo que havia planejado na segunda temporada e que culminou com o beijo no terceiro ano, quando ele já não estava mais à frente da produção.
A segunda temporada
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A segunda temporada de Dawson's Creek talvez seja uma das mais especiais e bem executadas do mundo das séries teens. Embora comece com uma atenção exacerbada aos casais, logo os episódios iniciam uma sequência de abordagens incríveis de assuntos como homossexualidade, distúrbios mentais, religião e morte. O episódio duplo sobre o poema que Jack é obrigado a declamar em voz alta no meio de uma aula está entre as coisas mais inteligentes que o mercado seriado produziu.
Kevin Williamson, o criador, ficou à frente da série até o final dessa segunda temporada. Depois, pediu para sair e se dedicar a outros projetos, deixando a série aos cuidados de Paul Stupin e Tom Kapinos. Kapinos, que anos depois criou Californication, declarou que odiava escrever para a série e só o fazia por dinheiro. Isso se refletiu no começo do terceiro ano, quando o próprio Williamson chegou a dizer que não reconhecia mais a produção. Greg Berlanti, principal produtor da rede de TV, tomou as rédeas e Dawson's Creek voltou aos eixos a ponto de encerrar a terceira temporada colocando em prática parte dos planos do criador original.
O final
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Mesmo obrigado a “dançar conforme a música”, Tom Kapinos se manteve na série até a sexta e última temporada. Quando o fim foi sacramentado, a rede entrou num acordo com ele, que planejou seu final de acordo com as histórias que estava contando. Kevin Williamson foi chamado de volta para escrever o series finale duplo, que era quase completamente independente, mas que trazia de volta todo o espírito sensível e delicado da série.
O final de Dawson's Creek fulgura nas listas de finais mais controversos e emocionais, com os destinos dos personagens sendo decididos de maneiras totalmente imprevisíveis. É um daqueles encerramentos que causam uma intensa comoção, e é difícil não derramar algumas lágrimas quando rolam os créditos finais. Mais importante: é um final coerente, inteligente, sensível e adequado. E que deixa a mensagem afetiva mais importante de todas: a verdadeira “alma-gêmea” é aquela que te impulsiona, te celebra, te desafia, mesmo que não seja aquela por quem você sente as angústias do amor romântico.