Não é novidade nenhuma que Hollywood só querem saber de investir em franquias já conhecidas do público. Na mentalidade mercadológica dos estúdios, uma marca já estabelecida no mercado é uma aposta certa, enquanto uma história original é um risco - e grandes empresas odeiam correr riscos. Mas já faz tanto tempo que esse é o status quo em Hollywood que as possibilidades para sequências diretas, reboots e remakes estão se esgotando. Isso, é claro, tampouco passou despercebido do público da cultura pop, que há tempos já “brinca” que os estúdios estão “raspando o fundo do tacho” ao fazer extensões de franquias como O Caçador e a Rainha do Gelo (2016), 300: A Ascensão do Império (2014) e A Mulher de Preto 2: O Anjo da Morte (2014).
Bom, quando o jogo está escapando das mãos do time, o que faz um bom técnico? Isso mesmo: ele encontra uma forma ligeiramente diferente de fazer a mesmíssima coisa que estava dando errado antes. Entra em campo, então, a legacy sequel (alternativamente conhecida como requel), um híbrido monstruoso de continuação e reboot que serve para ressuscitar marcas há muito dormentes, ou ao menos que têm colecionado fracassos nos últimos tempos, de uma forma que agrade os fãs nostálgicos que só querem mais do mesmo enquanto aponta para a construção de um futuro sustentável pelos próximos dois, três, quatro, sabe-se lá quantos filmes.
A marca da legacy sequel é clara: é imprescindível trazer de volta os astros dos filmes originais, aqueles que são realmente amados pelo público e que povoam o inconsciente coletivo global (pense em Tom Cruise e até Val Kilmer retornando para Top Gun: Maverick, mas não Kelly McGillis); mas é igualmente importante introduzir toda uma geração de novos personagens, que interagem com os antigos e - metafórica ou literalmente - “pegam o bastão” passado por eles para carregar a história adiante (no caso de Maverick, essa “nova leva” de astros incluiu Miles Teller, Lewis Pullman, Danny Ramirez e Glen Powell). A fórmula também frequentemente inclui uma memória curiosamente seletiva, em que a equipe criativa do filme escolhe considerar apenas os acontecimentos de um ou dois longas anteriores, deletando outros tantos da linha do tempo (pense no Halloween de 2018 e O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio).
TRON: O Legado e Star Wars: O Despertar da Força (Reprodução)
Difícil dizer de onde a ideia da legacy sequel surgiu, exatamente. Talvez uma boa aposta seja o ano de 2010, quando TRON: O Legado trouxe Jeff Bridges de volta como Kevin Flynn, caçado pelo filho Sam (Garrett Hedlund) no mundo digital que ele mesmo criou no clássico cult de 1982. Mas esse possível nascimento da fórmula, que daria muito certo anos depois, foi recebido com um sucesso moderado, arrecadando US$ 400 milhões em bilheteria global diante de um orçamento de quase US$ 200 milhões. O resultado morno freou o desenvolvimento imediato de um terceiro filme da saga - tanto é que TRON: Ares vai finalmente sair em 2025.
Alguns apontariam para Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015) como a primeira legacy sequel bem-sucedida, mas a verdade é que World só se tornou um verdadeiro requel de Jurassic Park quando começou a trazer de volta astros dos filmes originais dos anos 1990, e isso só foi acontecer a partir de Reino Ameaçado (2018). Curiosamente, no mesmo ano de 2015 saiu Star Wars: O Despertar da Força, no qual J.J. Abrams misturou os veteranos Han Solo (Harrison Ford) e princesa Leia (Carrie Fisher) com os estreantes Rey (Daisy Ridley) e Finn (John Boyega), arrecadando mais de US$ 2 bilhões nas bilheterias globais e relançando uma das maiores marcas da cultura pop, que passou uma década exilada à animação televisiva - sem nenhum shade a Star Wars: The Clone Wars, mas não dá para comparar o alcance de uma série do Cartoon Network com um dos maiores blockbusters da história.
Daí em diante, as portas se escancararam: além dos títulos que já citamos, rolaram Creed: Nascido Para Lutar (2015), Independence Day: O Ressurgimento (2016), O Retorno de Mary Poppins (2018), Bill & Ted: Encare a Música (2020), Ghostbusters - Mais Além (2021) e A Lenda do Tesouro Perdido: No Limiar da História (2022-2023). A franquia Pânico voltou em 2022 já tirando um pouco de sarro desta tendência, é claro, mas também seguindo à risca as diretrizes estabelecidas dela. E só Eddie Murphy já fez duas legacy sequels, uma para cada um dos grandes serviços de streaming: Um Príncipe em Nova York 2 (2023), do Prime Video, e Um Tira da Pesada 4 (2024), da Netflix.
De certa forma, esses dois últimos exemplos são emblemáticos da cartilha, até pela raridade que é ver Murphy fazendo qualquer coisa de nota além deles, nos últimos anos (ou você quer me dizer que Certas Pessoas e A Batalha de Natal registraram como grandes momentos culturais no seu radar?). A Hollywood criativamente falida que gerou a ideia da legacy sequel é a mesma que existia antes dela, onde a passagem dos anos condenava seus astros veteranos à obsolência - a diferença, é claro, é que agora eles são chamados de vez em quando para “passar o bastão” para uma nova geração de rostinhos bonitos que, os estúdios esperam, se provarão tão lucrativos (e tão descartáveis) quanto eles.