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Neymar “foi de Menino Ney a Adulto Ney” em série da Netflix, diz diretor

David Charles Rodrigues relembra bastidores de O Caos Perfeito, sobre o craque do futebol

28.01.2022, às 18H22.

Foi pouco depois de sentir a decepção de um projeto que não vingou que o cineasta brasileiro David Charles Rodrigues recebeu a oportunidade de dirigir Neymar: O Caos Perfeito. A série da Netflix — produzida pela SpringHill Company,do astro do basquete LeBron James — cobre de forma direta a temporada 2019-2020 do craque do clube francês Paris Saint-Germain (PSG) e da seleção brasileira de futebol; justamente um período que, em um toque interessante do destino, viu o próprio jogador de futebol tendo de superar uma grande decepção: sua tentativa frustrada de retorno ao Barcelona, da Catalunha (Espanha), onde viveu a fase mais vitoriosa da carreira.

“A gente começou a filmar quando ele estava negociando com o Barcelona para voltar, mas isso acabou não acontecendo e ele teve de ficar no PSG”, lembrou Rodrigues, em conversa com o Omelete. “Foi esse momento que acabou dando uma importante temática e narrativa para a série: ele tendo de reconquistar os fãs do PSG e enfrentando um momento de muita maturidade. Tanto nessa temporada, quanto na série, ele passou por vários desafios grandes, e ele pegou esse caos e construiu um novo caminho para a vida dele não só dentro do clube, mas no dia a dia… Ele foi de Menino Ney a Adulto Ney”.

Para ter acesso aos bastidores da vida do craque, Rodrigues e a equipe da produção puderam tirar proveito da amizade de Neymar com LeBron e também do respaldo da Netflix, o que abriu o coração da família do craque ao projeto. Ainda assim, o diretor explicou que a relação de proximidade no dia a dia teve de ser construída gradativamente a cada visita à casa do jogador, em Paris. “É um processo de mostrar para a pessoa que a sua intenção não é julgar, mas dar uma abertura para eles se abrirem”, disse Rodrigues. “A minha surpresa é que eles entenderam que essa era a minha intenção logo de cara”.

Além do processo de amadurecimento de Neymar, também é central à narrativa de O Caos Perfeito a relação do craque com seu pai, de quem herdou o nome (com a adição de “Júnior”) e que gere a empresa que cuida de tudo ligado à imagem milionária do jogador. “Isso cria uma dinâmica de qual será o momento na vida do Neymar onde ele vai de júnior para adulto, ou de filho para pai”, pontua Rodrigues. “Não é um processo em preto e branco; há muitas nuances que tentamos ao máximo captar. Às vezes o Neymar está certo, às vezes o pai está certo, às vezes os dois estão certos. Não é igual ao caso da Britney Spears, que é uma coisa mais de bem contra o mal”.

SIMPATIA PELO SENHOR NEYMAR

Assistindo aos três episódios que compõem O Caos Perfeito, já disponíveis no catálogo da Netflix, é possível encontrar em um quadro que Neymar tem na parede de casa uma interessante interpretação: a imagem, que recria o rosto do craque dividido entre as feições maquiadas do Coringa e mascaradas do Batman, coloca o jogador simultaneamente como herói e vilão.

O próprio craque postula que a primeira versão é como ele é visto por seus familiares — muitos deles sustentados direta ou indiretamente pelo seu sucesso —, enquanto a segunda é como ele é visto pelo público mundial, distante dele. A partir do processo de amadurecimento retratado na produção, entretanto, a impressão é que Neymar é ambas as coisas para sua própria história: um jovem destinado a ser herói, mas dado a rebeldias vilanescas que, aos olhos do mundo, colocam em cheque seus inegáveis sucessos — ainda que sejam muitas vezes escapes aos quais ele recorre para experimentar um senso de liberdade inacessível a ele há muito tempo.

O diretor David Charles Rodrigues (Corinne Schiavone/Divulgação)

Perguntado sobre essa interpretação, Rodrigues redireciona a reflexão. “Eu acho que ele é um ser humano, e como ser humano a gente toma decisões assim [conflituosas] também”, diz o diretor. “Só que, quando ele toma uma decisão, o impacto que tem no Brasil e no mundo é muito grande. O que eu admiro, que faz com que ele seja uma pessoa interessante de documentar e de contar a história, é que ele realmente segue seu instinto. Ele vai atrás da felicidade dele sem se preocupar com as repercussões na mídia”.

Há, portanto, a intenção de humanizar a figura pública de Neymar com O Caos Perfeito? “A minha intenção foi conhecer o Neymar ser humano, e como ser humano, são várias dimensões”, nega Rodrigues. “Nunca tive a intenção de despertar empatia, mas de mostrar o que eu estava vendo e de poder compartilhar isso com o mundo e com as pessoas assistindo, para que elas criem suas próprias conclusões”.

Intencional ou não, é difícil não terminar a série sem sentir-se impulsionado a repensar muito da imagem pública de Neymar ao longo dos anos recentes. Como aponta o jornalista Juca Kfouri no próprio O Caos Perfeito, a figura do jogador foi de uma das marcas mais queridas do imaginário popular brasileiro a uma lembrança um tanto mais ingrata. Ao mergulhar no turbilhão que constitui o tal “caos perfeito” da vida do craque, Rodrigues consegue indiretamente dividir o foco também com aquilo que está fora desse espaço, convidando o público a uma reavaliação sobre a relação nem sempre saudável do público que é fã de esportes com seus ídolos.

“Eu acho que o objetivo da vida é a evolução, e uma forma de evoluir é conseguir superar obstáculos. As pessoas querem o mesmo Neymar de sempre, mas não tem como ser o mesmo Neymar quando se vai evoluindo e mudando”, afirmou o cineasta. “A vida de um atleta é muito complicada, tem muita pressão, muita cobrança, a pessoa treina o dia inteiro. Claro que se pode ter admiração, mas não se pode esperar que a pessoa seja perfeita; você tem de dar uma colher de chá para todo mundo”.