Cena de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder (Reprodução)

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Os Anéis de Poder fecha temporada com episódio íntegro e bem cronometrado

Cheio de questões para resolver, capítulo trabalha dobrado - mas ainda empolga

03.10.2024, às 04H00.

ATENÇÃO: Spoilers de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder a seguir!

O peso do último episódio de uma temporada de televisão, especialmente para uma série que já tem um próximo ano garantido, é um fenômeno bem documentado para os fãs do formato. Normalmente preocupado tanto em amarrar conflitos introduzidos no capítulo anterior, quanto em dar fins definitivos para algumas histórias, e ainda por cima apontar para a direção em que algumas outras estão indo - atiçando devidamente os espectadores para suportar a espera (cada vez mais longa) entre temporadas - os capítulos finais costumam trabalhar dobrado. E isso, é claro, pode resultar em uma condução descuidada, um desequilíbrio que, ao invés de empolgar, desanima.

Felizmente, não é o caso de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, que colocou o ponto final em sua excelente segunda temporada com um episódio cuja maior virtude é ser cronometrado à perfeição. Apesar da 1h10 de duração, o capítulo assinado por Charlotte Brandstörm a partir de roteiro dos showrunners J.D. Payne e Patrick McKay (mesmo trio responsável pelo episódio da semana passada, focado em sequências de batalha) mostra que, diante de uma boa construção narrativa pregressa, a hora de pisar fundo no acelerador é bem vinda e não dilui o impacto de acontecimentos climáticos que, no fim das contas, só confirmam e - por vezes - poetizam o que já sabíamos sobre esses personagens e esse mundo. Para bom entendedor, meia palavra basta.

Daí que o conflito decisivo entre Galadriel (Morfydd Clark) e Sauron (Charlie Vickers), além de espertamente coreografado e encenado, vem para dar mais clareza à jornada da elfa, que não teve só o seu ego fraturado pela enganação do Lorde das Trevas. Para Galadriel, a rachadura vai mais fundo, a ferida afeta a própria crença em seu papel de liderança, na legitimidade de suas decisões. Ela ainda é uma heroína, ainda é uma figura nobre na Terra Média de Tolkien, ainda inspira pela beleza e pela coragem, mas há algo de podado nessa sua vistosidade - e é no confronto final com Sauron que essa poda se consuma, e Galadriel se torna a deusa incompleta, a luz filtrada, que conhecemos nas outras adaptações de O Senhor dos Anéis.

Esse sentimento de realização profética se infiltra por todo o episódio, na verdade. Em Khazad-Dûm, o despertar do Balrog - renderizado e filmado em gloriosa câmera lenta na sequência inicial do episódio - soletra o começo da ruína dos anões, a sua decadência na direção de uma raça sem lar, muitas vezes definida por suas piores qualidades. Em Númenor, a repressão autoritária de Pharazôn (Trystan Gravelle) se engessa em torno das antigas tradições, fraturando o reino irremediavelmente enquanto os seus heróis fogem ou são aprisionados - e, do outro lado do oceano, vemos o nascimento de uma Númenor colonizadora, o que eventualmente será a sua derrocada.

Com a morte de Celebrimbor (Charles Edwards), Eregion é abandonada, selando o fim de uma era de criações élficas extraordinárias. Por outro lado, os orcs se rendem ao domínio de Sauron, e a possibilidade da paz é destruída com o fim trágico de Adar (Sam Hazeldine). Com performances absolutamente à flor da pele, Edwards e Hazeldine definem muito do que Os Anéis de Poder falou sobre os desejos secretos de seus personagens, sobre quando eles escolhem a nobreza do sacrifício e da comunidade no lugar da glória individual. É uma evolução natural, e mais profunda, da ânsia por colaboração que definiu a obra de Tolkien.

Que a série tenha aberto o espaço para que esses e outros atores - muitos deles escanteados no primeiro ano - a definissem dessa forma é um testamento da inteligência narrativa que a transformou em uma produção tão íntegra, e tão empolgante, nesta segunda temporada.