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Ponte Aérea | O que aprendemos no set do filme com Caio Blat e Letícia Colin

Novo longa de Julia Rezende promete mostrar as dificuldades dos relacionamentos modernos

01.09.2014, às 16H54.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H44

Pedidos constantes de silêncio marcam as filmagens noturnas de Ponte Aérea em um apartamento do 9º andar do Edifício Eiffel, na Praça da República, em São Paulo. A palavra, que naturalmente assinala o início de cada tomada, também é ouvida nos intervalos: “Equipe, equipe. Vamos manter o silêncio, por favor, galera”. Os vizinhos não costumam gostar da movimentação cinematográfica - minutos antes, na mesa do buffet, um membro da equipe contava da vez em que foram expulsos de outro prédio pelo barulho das gravações de Minha Mãe É Uma Peça.

Porém, manter quieto um grupo grande - são mais de 40 pessoas espalhadas pelo moderno duplex do prédio projetado por Oscar Niemeyer - não é fácil. Cada um quer priorizar a sua parte no filme. A figurinista Mel Akerman se espreme em um cantinho para ficar de olho no monitor e garantir que uma falha na calça da personagem de Letícia Colin não apareça na cena; Fabiana Egrejas fica de olho para que sua meticulosa direção de arte não seja desfigurada; o diretor de fotografia Dante Belluti trabalha cuidadosamente luz e enquadramentos a cada cena. No comando de tudo e todos, Julia Rezende, 28 anos, em seu segundo longa-metragem.

O controle da jovem cineasta impressiona. Decidida, mantém a ordem e consegue se comunicar por sinais com a equipe, que trabalha com ela há três anos, desde Meu Passado Me Condena. “Todo mundo tem uma ligação, uma conexão importante”, explica. O sucesso do seu primeiro longa (o terceiro filme nacional mais visto em 2013) abriu caminho para que seu segundo trabalho fosse mais autoral: “Esse projeto já existia bem antes e acho que Meu Passado Me Condena ajudou no sentido de que me amadureceu como diretora pra chegar aqui, agora, e fazer um filme em que eu esteja mais segura, mais preparada”.

Relacionamentos complicados

O romance protagonizado por Caio Blat e Letícia Colin surgiu da leitura de Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. “Queria muito escrever um filme pra falar da nova geração e sobre os relacionamentos afetivos. E aí  li o livro do Bauman e me identifiquei muito, porque ele fala sobre como os laços estão frágeis e das dificuldades de comprometimento das pessoas e dos jovens”, justifica a cineasta. Ponte Aérea mostrará o relacionamento da jovem e bem sucedida publicitária paulistana Amanda (Colin) e do promissor e tranquilo artista plástico carioca Bruno (Blat). Eles se conhecem em um voo Rio-São Paulo e se envolvem, apesar das diferenças e da distância. Para o romance engatar, contudo, os dois precisam superar obstáculos impostos por eles mesmos.

Segundo Caio, é aí que está a perfeição do roteiro:  “As pessoas têm muita dificuldade de se entregar. Isso é um grande tema da nossa geração: a dificuldade de se entregar, de confiar em si mesmo, de confiar nos outros. Os modelos de relacionamento se romperam justamente na nossa geração. Esse modelo cristão se partiu em cima da nossa cabeça e a gente ficou com uma dificuldade muito grande de acreditar que um relacionamento pode durar pra sempre. Um relacionamento não precisa durar pra sempre, mas você tem que estar inteiro lá enquanto estiver. A minha geração, por ver que os relacionamentos não duram pra sempre, não entra mais com os dois pés. Acho que esse é o tema desse filme”.

Para Letícia, é fácil se identificar com os personagens: “Tenho 24 anos, nasci quase nos anos 90 e a gente entende muito desse assunto de não entender quase nada de amar. De tentar compreender, de investigar e de colocar minhas agonias nessa personagem, meus sonhos também nela. (...) A Julia foi muito generosa deixando a gente contribuir um pouquinho. (...) Já namorei várias vezes à distância e entendo muito dessa vida. É um dilema porque você fica narrando sua vida para pessoa que não está lá, que não sabe o que acontece. E eu estou em ponte aérea. Estou muito nesse clima, no deslocamento entre essas duas cidades que são minhas cidades. Nasci em São Paulo e tenho muita saudade daqui. Gosto do Rio, mas tenho uma relação que, assim como a Amanda, sou muito paulista de coração, meus hábitos, meu jeito. Então me identifico em vários aspectos [com a personagem], em várias cenas pude contribuir com um pouco da minha experiência, de colocar uma coisinha no texto, uma opinião pessoal, um jeito de falar do Rio, um jeito de falar de São Paulo”.

No set, o entrosamento e a personalidade dos atores parece se encaixar perfeitamente nos papéis. Super elétrica, a simpática Letícia fala com todos e ensaia suas falas enquanto conta sobre a injeção que precisou tomar para passar por cima do resfriado e encarar as filmagens em São Paulo e a encenação de uma peça no Rio de Janeiro: “Eu me identifico muito com essa personagem por ser uma mulher que preza pela vida profissional. Trabalho desde criança como atriz então já coloquei muitas vezes a minha carreira na frente de muitas escolhas pessoais. Acho que a Amanda é viciada em fazer isso. Porque, comparando, a vida dela é muito mais glamurosa que a minha de atriz. Ela trabalha numa mega empresa de publicidade, numa carreira em que pouquíssimas mulheres conseguem o cargo que ela tem, que é ser diretora de criação de uma agência antes dos 30 anos. É um speed, é uma quantidade de adrenalina, de tensão e de ambição que ela tem que é muito legal essa energia da personagem”, conta. Já Caio, se mostra mais quieto e incrivelmente à vontade no movimentado set. Ora medita em um canto, ora se deita no sofá e lê os livros/objetos de cena embaixo de um cobertor, ora ensaia uma soneca abraçado em um leão de pelúcia do cenário. Minutos depois, segue concentrado para cena, em que observa a cidade de São Paulo pela janela do apartamento.

Tecnologia

Além do casal principal, e dos cartões-postais de Rio e São Paulo, a tecnologia é um dos personagens de Ponte Aérea. “Conseguimos manter uma relação à distância pois temos Skype, Facetime e etc. Ao mesmo tempo, isso não é suficiente, né? Porque o que importa é a relação humana. E acho que estamos vivendo um momento em que está muito difícil ter comprometimento. A gente está sempre olhando pro que a gente está perdendo e não para o que a gente conquistou. Então, acho que passa mais por essa questão, do quanto, mesmo com toda essa possibilidade de aproximação, às vezes isso não é suficiente”, explica Julia. “É uma ferramenta fantástica, mas as pessoas usam isso pra se distrair. Isso não é pra se distrair, é pra se conectar. Se conectar com seus afetos, se conectar com a família. Então, a tecnologia, ela não é boa nem ruim, você tem que usar a seu favor. Quando você está com pessoas que precisam da sua atenção, você deveria desligar o celular e quando você está longe da pessoa que você ama, você deveria ficar no celular o tempo todo”,  completa Caio.

Letícia revela que essa qualidade de distração estará no longa: “No filme, meu companheiro inseparável é o celular da Amanda. O elemento que eu mais me relaciono, até mais que o personagem do Bruno, é o celular dela. Ele é um artigo de primeira necessidade. (...) Eu filmava às vezes realmente escrevendo, respondendo uns e-mails, pra trazer essa coisa real de ela não estar prestando atenção no que ele está falando ou dela estar prestando atenção em duas coisas ao mesmo tempo”. A atriz explica que os problemas técnicos envolvendo o usa da tecnologia também fazem parte do roteiro: “Tem uma cena que a gente está se falando por Skype e cai a conexão no meio de uma quase transa. É hilário. São coisas que a gente conhece, que já viu. Às vezes, a gente está falando coisas super importantes e é interrompido.(...) O legal do filme é mostrar as falhas dessas coisas. Acaba a bateria do celular e ela fica puta porque ela não consegue viajar, tem muitos empecilhos que a tecnologia traz. Ela adianta e, às vezes, atrasa os personagens”.

Mulheres poderosas

Pelo trabalho visto no set, fica claro que a protagonista “profissional decidida” tem muito da sua criadora. “A Julia é meu grande encontro nesse filme. Ela é essa personagem também. Por [ser mulher e diretora] ela é uma grande referência pra mim, na criação da personagem. Ela é inspiradora, ela tem 28 anos e ela já fez um filme que tem mais de 3 milhões de espectadores. E não só por isso ela é incrível, mas porque ela é casada e ela consegue levar o casamento dela enquanto está filmando aqui. Ela sabe o que ela quer em todas as cenas,  é generosa, sabe ouvir e sabe falar as coisas. É uma pessoa extremamente humana. A Mariza Leão, a mãe dela, é uma mulher muito forte também, que é nossa produtora, está sempre no set e sempre resolve as coisas, sempre tem uma coisa positiva pra te dizer e pra te ajudar. Nossa equipe tem muitas mulheres também. Acho que gente está cercada de mulheres muito interessantes nesse filme”, elogia Letícia sobre a força feminina da produção.

Julia, porém, foge do rótulo daquela que venceu em um meio masculino. Para a diretora, consolidar sua carreira no cinema não foi mais difícil por ser mulher: “Comecei super nova e isso nunca foi uma questão”. Para ela, mesmo que em número reduzido, a presença feminina no mercado segue crescendo e serve de inspiração: “Vários filmes que são referência pra mim são de mulheres. Todos os filmes da Laís Bodanzky, Sofia Coppola, são filmes de mulheres, que têm uma delicadeza, uma coisa que estou buscando”.

Ponte Aérea tem previsão de estreia para março de 2015, com distribuição da Paris Filmes, Downtown Filmes e Paramount Pictures.