Imaginem um encontro histórico entre quatro ícones afro-americanos no auge do movimento civil nos Estados Unidos. Partindo dessa premissa, Uma Noite em Miami relata a noite fictícia em 1964 na qual Cassius Clay (Eli Goree), que logo adotaria o nome Muhammad Ali, derrota o campeão dos pesos-pesados Sonny Liston no Miami Convention Hall. Ele então junta três amigos, o ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o cantor e lenda do soul Sam Cooke (Leslie Odom Jr.) e o jogador de futebol americano Jim Brown (Aldis Hodge), para celebrar a vitória.
O que prometia ser uma grande festa num quarto de hotel acaba se tornando uma noite de reflexão regada a sorvete e debates acalorados sobre questões raciais. O filme é baseado na peça homônima premiada de Ken Powers, que também assina o roteiro, e marca a estreia de Regina King na direção. Vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por Se a Rua Beale Falasse em 2019, King vem de sua vitória recente no Emmy por Watchmen, o quarto papel a lhe dar o prêmio principal da TV americana - nenhuma outra atriz afroamericana chegou a esse patamar até hoje.
King chega com esse gabarito a Uma Noite em Miami, e mostra que atua com maestria também por trás das câmeras. Dando exemplos de racismo sofrido por essas próprias figuras logo no início do longa, ela explica o contexto da época e confere o tom da narrativa a seguir. Mais do que discutir ambições pessoais e o que farão a seguir em suas respectivas carreiras, Clay, Brown, Cooke e Malcom ponderam sobre como podem usar sua voz para ajudar a causa de direitos civis. São pessoas completamente diferentes com argumentos completamente diferentes, o que coloca o espectador na ponta da poltrona num suspense que se dá essencialmente nas trocas de argumentação, na expectativa pela próxima opinião.
Os diálogos são bastante intensos e levam a refletir que a questão racial é um assunto complexo, impossível de ser resumido a um único ponto de vista. Uma Noite em Miami mostra um debate sobre um momento crucial na sociedade americana - Malcolm X seria assassinado no ano seguinte, em 1965 - e que continua a ressoar com os dias de hoje. E a canção "A Change is Gonna Come", de Sam Cooke, também continua a ser o hino da luta por um futuro melhor com que tanto sonhamos.
Exibido neste mês da Consciência Negra como parte do Festival de Cinema de Londres, o longa-metragem estará disponível a partir de 15 de janeiro de 2021 no Amazon Prime Video. É aquele tipo de filme que vale a pena ver mais de uma vez para obter o efeito completo. Com atuações poderosas do elenco masculino, não seria nenhuma surpresa ver algumas indicações ao Oscar para o título na próxima temporadas de premiações.