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Artigo

A saga do Tio Patinhas

A saga do Tio Patinhas

23.06.2003, às 00H00.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 17H04
Tio Patinhas: 40 anos
Volume 1 de 2
5 ovos!

nota máxima

Ed. Abril - formatinho - R$ 5,90
Mini-série em 2 edições - 160 páginas coloridas cada

A espera terminou!

Durante mais de uma década os fãs brasileiros das HQs Disney aguardaram a publicação no país da famosa (e premiada) Saga do Tio Patinhas, de autoria do americano Keno Don Rosa, que se propunha a recontar a vida do pato mais rico do mundo do momento em que ganhou a sua lendária moedinha número um até a sua primeira aparição nos quadrinhos (e na vida de seus sobrinhos). Pois bem. A primeira parte da história está finalmente nas bancas de todo o país.

Valeu a espera.

Don Rosa é discípulo e fã de Carl Barks, criador das clássicas aventuras em que o Tio Patinhas, Donald e seus sobrinhos rodavam pelo mundo em busca de tesouros perdidos (estas também serviram de inspiração do antigo desenho animado Duck tales, que adaptou várias delas). Barks fora o criador do velho pato milionário e, embora tenha recheado suas HQs com referências ao passado da personagem, nunca chegara a contar a história de forma integral. Então Rosa, de certa forma o herdeiro do venerável criador, decidiu juntar todas as referências ao passado do Tio Patinhas e montar uma biografia dele a partir disso.

O que seria uma confusa mostra de obsessão e preciosismo caso feita por talentos inferiores tornou-se uma obra-prima nas mãos capazes de Rosa, que criou uma verdadeira cronologia da vida do pato milionário, transformando eventos apenas sugeridos por Barks em tramas completas recheadas de aventura, humor e emoção.

Os roteiros de Rosa são exemplos legítimos dos verdadeiros quadrinhos para todas as idades. Eles podem ser lidos, entendidos e apreciados igualmente por crianças de cinco anos ou senhores de cinqüenta anos, ainda que em diferentes níveis de compreensão. Isso é um talento raro nos quadrinhos e que merece ser apreciado.

A história em si é exatamente o que se propôs a ser: Uma visualização da vida do Tio Patinhas durante sua juventude, que mostra suas peripécias para superar a pobreza e enriquecer através de seu próprio esforço (o que acontecerá na segunda parte, a ser publicada mês que vem), ao mesmo tempo em que viaja pelo mundo (especialmente os Estados Unidos) e encontra diversas personagens e acontecimentos do final do século XIX. Tudo isso com fartas doses de humor, aventura e inúmeras referências a aventuras clássicas de Carl Barks - incluindo aparições dos futuros rivais do Tio Patinhas: Os Metralhas, Patacôncio e MacMônei - que deliciarão os leitores antigos das aventuras do Tio Patinhas sem alienar os mais jovens.

Além da primeira parte da Saga, os leitores também terão a oportunidade de conhecer a árvore genealógica da família dos patos. Curioso para saber se a Vovó Donalda era avó do Pato Donald por parte de pai ou de mãe? As respostas estão nesta edição!

Não contente em ser um excelente escritor, Rosa também é um ilustrador espetacular. Talvez o melhor que já trabalhou nas HQs da Disney. Tal qual seu ídolo Carl Barks, ele tem a habilidade de desenhar qualquer coisa ou situação de modo compreensível, de mostrar as emoções de seus protagonistas com perfeição e de contar uma história com clareza e eficiência. Rosa também dá às suas páginas um detalhamento ímpar para um gibi Disney. Não o detalhamento exibicionista de um ilustrador de super-heróis americanos, mas elementos que contribuem para o desenvolvimento da trama (como as brigas e roubos que acontecem nas cenas passadas na cidade de Louisville, que exemplificam o cotidiano da localidade na época) ou para sua apreciação (como as inúmeras gags visuais que se desenrolam no pano de fundo das narrativas).

A publicação da Abril também conta vários pontos a serem elogiados. A começar por um conteúdo editorial caprichado, que inclui comentários de Rosa sobre o processo de criação dos vários capítulos (imaginem como se fosse um DVD comentado), biografia do autor e um punhado de matérias a respeito do pato sovina. A edição também merece destaque por seu espetacular trabalho de cores.

Embora tenha sido cobrado que a saga deveria ter sido publicada em formato e papel melhores, convém notar que o formatinho e o papel mais simples utilizados não chegaram a prejudicar a história ou a arte. Os diálogos foram um pouco sintetizados para poderem caber nos balões, mas isso não afetou em nada a compreensão geral, que é o importante. E, vale notar, o formato da revista manteve o preço em uma faixa adequada para um trabalho que, no final das contas, é voltado para o público infantil. O que não quer dizer que uma edição de luxo para livrarias nos formatos do Cinqüentenário Disney (alguém lembra?) não seria bem vinda. Longe disso. Aliás a Abril deveria estudar um álbum assim no futuro, como foi feito em quase todos os países em que esta obra foi publicada.

O único real defeito da publicação que pode ser notado é aquele velho fantasma que vem assombrando as HQs publicadas no Brasil: A reprodução da arte deixa transparecer em certas situações as linhas quebradas que se obtém em uma reprodução de computador com resolução inferior. Embora isso prejudique alguns detalhes da arte (ainda mais em um formato pequeno como esse), não chega a ser um problema crônico como é nas revistas Disney Especial da mesma editora. Mas é um problema que poderia ser facilmente resolvido, haja vista que não ocorre em edições estrangeiras da saga, que são publicadas em formatos bem maiores. Aumentem a resolução dessas imagens, editores!

A capa, por um artista nacional não creditado, é boa mas sofre na comparação com as belas e detalhadas originais de Rosa. Elas poderiam ser, ao menos, reproduzidas no interior do gibi (bem, sempre temos o segundo volume).

Vale notar também que Don Rosa posteriormente adicionou várias partes novas a esta saga, que poderiam ser publicadas pela Abril em um especial futuro. De preferência antes da comemoração dos 50 anos da revista!

Apesar dessas problemas menores (e de ter que esperar mais um mês para ver o final da epopéia, dez anos não foi o suficiente?), a edição é talvez o melhor lançamento de quadrinhos do ano e é obrigatória para todo aquele que já leu e apreciou um gibi do Tio Patinhas na vida. Esta é realmente uma publicação para ser lida por toda a família e merece a nota máxima do Omelete. Com louvor!