Agora, as colunas AQUI DENTRO e LÁ FORA se fundem e ganham uma periodicidade semanal. Era um projeto antigo e que vai servir pra gente dar mais vazão para as coisas que saem no Brasil e manter você também atualizado sobre o que está acontecendo longe das nossas bancas.
Frankenstein
Robinson Crusoe
Filthy Rich
Dark Entries
Vamos lá?
LÁ FORA: Filthy Rich / Dark Entries
O quê: as duas graphic novels de estreia da linha Vertigo Crime, iniciativa do selo da DC Comics com histórias adultas do gênero crime/policial.
Quem: Filthy Rich é de Brian Azzarello (100 Balas) e Victor Santos (artista espanhol da série Los Reyes Elfos); Dark Entries, de Ian Rankin (romancista escocês, famoso no gênero policial) e Werther Dell'Edra (Loveless).
Por quê: A Vertigo, meio que por acaso, ganhou proeminência no gênero do crime (por que no Brasil a gente chama de "policial"? Moralismo?) ao topar a proposta de 100 Balas, de Brian Azzarello, há uma década. Por mais que não fosse um noir convencional, com sua narrativa de múltiplas conspirações, o título fez sucesso e levou o selo adulto da DC a investir em outras séries que seguissem o estilo, como Escalpo.
Concretizando esse sucesso, a linha Vertigo Crime escancara que a Vertigo quer ser vista como porta aberta para o gênero, após uma identificação forte com terror e fantasia. Foram dois álbuns de lançamento este ano, e outros cinco já estão planejados até o primeiro semestre de 2010.
Seria interessante que um fã de literatura de crime avaliasse o material. A linha dirige-se a esse nicho - os EUA e a Europa sempre tiveram um mercado muito forte para literatura policial, com texto forte e marcante, mesmo que sem grandes pretensões (o equivalente do bom cinema-pipoca no mundo dos livros). Atualmente, lá fora, virou cool acompanhar autores como Donna Tartt, Elmore Leonard, Denisa Mina e Ian Rankin (este, convidado para os quadrinhos).
Da perspectiva de um resenhista não muito ligado no gênero (embora eu adore James Ellroy), os primeiros lançamentos da Vertigo Crime são sofríveis.
Filthy Rich serve do formulismo de Brian Azzarello. Seus personagens são sempre metidos, com frases elaboradamente cool em cenas que parecem gritar "olha pra mim, eu sou fodão". Pode ser convenção do gênero, pode ser um exagero planejado - que, quando bem feito, funciona (vide Sin City). Já no caso de Azzarello, tudo soa extremamente vazio. O único destaque do álbum é a arte esforçada de Victor Santos, mas que parecia estar pedindo cores (os álbuns são em preto e branco).
Dark Entries, por sua vez, não sofre de problemas na história. A ideia é interessante: John Constantine (sim, personagens Vertigo tradicionais podem vir para a nova linha) num reality show grupo-em-casa-fechada, tipo Big Brother. Sendo Constantine, você sabe que a história vai ficar muito mais complicada e demoníaca do que isso. E fica.
Aqui se vê a diferença entre um bom personagem e um personagem de Azzarello - Constantine é metido, mas repulsivo. É o que parece deixá-lo mais crível. Dark Entries, porém, sofre com arte de Werther Dell'Edra. Parece apressada, às vezes de difícil entendimento. A falta de cores, mais uma vez, também parece prejudicar o resultado.
Pelo menos nos dois primeiros lançamentos, enfim, a Vertigo Crime deixa a desejar. As próximas propostas, de autores como James Romberger, Peter Milligan, Christos Gage e outros, parecem interessantes. Que tenham mais sucesso.
Onde e quanto: nas comics shops importadoras e livrarias online. Cada graphic novel custa US$ 19,99 (R$ 35).
AQUI DENTRO: Frankenstein / Robinson Crusoé
O quê: adaptações de duas obras renomadas da literatura europeia, produzidas na França dentro da coleção Ex Libris, da editora Casterman. Aqui, chegam pela editora Salamandra.
Quem: Marion Mousse (Frankenstein) e Christophe Gaultier (Robinson Crusoé), dois artistas franceses com larga experiência no mercado europeu. A coleção Ex Libris é coordenada por Jean David Morvan, importante roteirista francês.
Por quê: Está aberta uma espécie de caça ao tesouro no mercado nacional de quadrinhos. Das grandes às pequenas às que só descobriram agora que HQ existia, todas querem uma sigla dos sonhos: PNBE.
É o Programa Nacional Biblioteca na Escola, do governo federal, que todo ano seleciona uma longa lista de livros novos para serem acrescentados às bibliotecas de escolas públicas do Brasil inteiro. Cada título escolhido tem milhares de exemplares comprados pelo governo. E a preferência, desde que, há poucos anos, os quadrinhos entraram nas listas, é pelo velho esquema da adaptação de literatura "de verdade".
Outros programas, estaduais e municipais, também começaram a colocar HQs nas suas listas de compra. E os editores, portanto, começaram a programar lançamentos de olho nos avaliadores do governo.
O fato de uma coleção como a Ex Libris, de belos álbuns franceses baseados em clássicos da literatura, chegar sem nenhum alarde e pouquíssimo esforço de divulgação no Brasil, dá a entender que a editora responsável não está se importando muito com o que conseguirá vender nas livrarias. O negócio mesmo é convencer o governo federal ou algum governo estadual a comprar toda a tiragem.
Não só os álbuns têm a visão artística e a narrativa diferenciada da boa HQ francesa, mas chegam aqui bem editados e traduzidos. Enquanto na França saíram cada um em três volumes anuais e capa dura, aqui vêm direto em coletâneas com capa mole e papel bom, adequados aos nossos bolsos.
Mesmo que os autores não sejam dos mais populares na França, fazem as vezes do que se vê de bom no quadrinho europeu. Gaultier, de Robinson Crusoé, por exemplo, é uma versão um pouco - bem pouco - inferior do famoso Christophe Blain (que já teve Isaac o Pirata publicado no Brasil).
O único comentário negativo sobre os álbuns é quanto à escolha de Marion Mousse para registrar uma história dark como Frankenstein. O texto original do livro (Mary Shelley, no caso) é respeitado em toda sua tragédia, e o estilo cartunesco de Mousse - embora às vezes esse tipo de contraste seja interessante - aqui não casa com a história.
Fora isso, é quadrinho francês muito bem produzido chegando aqui, algo que a gente sempre que tem que comemorar. Só faltava a Salamandra - e outras editoras que seguem o mesmo esquema - comemorar junto, fazendo divulgação e distribuição adequadas à qualidade do que editam.
Onde e quanto: Em algumas livrarias. Cada álbum custa R$ 39,90.