A Argentina tem uma estabelecida produção de quadrinhos, e as editoras brasileiras têm prestado atenção nesse material dos hermanos. Paolo Pinocchio, de Lucas Varela, é o quarto volume da Coleção Fierro, da Zarabatana Books, que já trouxe aos leitores daqui outros títulos interessantes, como Angela Della Morte, de Salvador Sanz, e Dora, de Ignacio Minaverry.
O personagem foi criado em 2003, quando Varela precisava de uma imagem engraçada para acompanhar uma reportagem sobre mentiras. Inspirado pelas versões do francês Winchluss e do americano Bill Willingham, o quadrinista desenvolveu seu próprio Pinocchio. Desde então, ele escreveu várias HQs, que têm uma leve relação umas com as outras, mas não formam uma série.
Essa reunião de histórias diversas parte, basicamente, de uma mesma premissa: Pinocchio morreu e precisa dar um jeito de escapar do inferno. São variações de uma mesma piada. Mas Lucas Varela consegue fazer com que ela pareça nova a cada vez que é contada. A bela arte do álbum é responsável por essa sensação de frescor. Seu traço é detalhado, as cores que o argentino usa são muito vivas, e sua visão do inferno é bastante criativa. Ele abusa dos grandes quadros, que ocupam páginas inteiras, e é uma experiência e tanto ficar virando as páginas apenas para apreciar seus desenhos.
Os divertidos diálogos aderem ao politicamente incorreto, e o livro vem com um aviso de "aconselhável para maiores". Paolo é desbocado, seus métodos para se livrar de seus torturadores infernais são controversos e as páginas ganham mais cores com violências e nudez. Pode parecer um exagero, mas o quadrinista consegue dosar bem o humor com os desenhos caricatos. O resultado ficou tão bacana que o álbum entrou na Seleção Oficial do Festival d'Angoulême 2013.
E a obra é cheia de referências. A primeira, mais óbvia, é o boneco de madeira original, criado por Carlo Collodi, que já foi adaptado para os quadrinhos incontáveis vezes, mas ganhou uma roupagem bastante original nesta coletânea. Varela fala ainda de outras obras que tratam do inferno, como A Divina Comédia, de Dante, e a própria Bíblia, e completa o jogo de referências com citações de cultura pop, aos quadrinhos e à cultura argentina.