Enquanto Batman entrou nos Novos 52 com o pé direito, com uma narrativa fechada de Scott Snyder que se desdobrou em um crescendo, Superman não mostrou a que veio em sua série principal. As primeiras 30 edições trocavam de autores com histórias prolixas, premissas duvidosas (Lois Lane psíquica?) e arcos ambiciosos que terminavam inchados pela necessidade do cruzamento entre séries (como a saga de H'El).
Essa falta de foco que antecedeu a chegada de John Romita Jr. aos desenhos de Superman, a partir da edição 32, só torna mais especial a história "The Men of Tomorrow" - a primeira de Romita na HQ da DC Comics, depois de uma carreira inteira definida por seu trabalho na Marvel. Escrita por Geoff Johns, a trama que se encerrou na edição 38 (que saiu neste mês nos EUA) literalmente com um estouro está à altura da expectativa criada desde que a DC anunciou a contratação de Romita em fevereiro de 2014.
O título em si, na referência que faz ao Homem do Amanhã de Nietzsche e Alan Moore, já se propõe rever o mito - um bem-vindo retorno ao estudo de personagem, depois do Superman do início dos Novos 52 que não ia muito além do "meu destino é socar". É mais do que uma volta ao básico. Johns e Romita simplificam o entorno e eliminam premissas dispersivas (principalmente em relação ao núcleo da mídia, o Planeta Diário, sua gente e concorrentes, que deixam de ser agentes da ação e voltam a ser comentaristas da ação) para se concentrar no que importa: Clark deixa de ficar se lamentando por não ter Lois Lane e volta a se questionar sobre o que faz dos superseres, heróis.
Para isso foi preciso encontrar um duplo que espelhasse os dilemas do protagonista: Johns apresenta Ulysses, um Kal-El ao avesso, bebê humano que foi enviado ao espaço quando seus pais cientistas acreditavam que a Terra morreria nos anos 1980. Ulysses retorna ao planeta depois de ter sido criado na Quarta Dimensão, por um povo que lhe deu poderes em um planeta de harmonia utópica. Na Terra, Superman ajuda a encontrar os pais de Ulysses, mas a felicidade do reencontro - um luxo que Kal-El não teve a oportunidade de viver com sua própria família - dura pouco mais do que a primeira metade da história em sete edições.
Johns e Romita se permitem uma longa introdução, antes de antagonizar Ulysses e Superman, para recolocar em perspectiva quem é Clark Kent, o que ele espera da vida na Terra, que noção ele tem de seus poderes e, por extensão, da sua responsabilidade. São pontos que ficaram de fora de Superman no começo dos Novos 52 (nesse tempo, era o título paralelo Action Comics que tratava de reapresentar o Homem de Aço) e Johns espertamente aborda-os aqui de forma funcional: sabemos o que Superman pensa sobre poderes, rotinas e responsabilidades porque é Ulysses quem precisa aprender sobre isso agora.
Romita contribui com uma narrativa sem firulas: balões de diálogo quando necessário, não mais do que sete quadros por página, e páginas duplas e splash pages só na hora das grandes demonstrações de força. Se o desenhista não tem o melhor traço na hora de pegar poses altivas do Superman (seu Clark parece indeciso entre as feições "normais" e o físico superhumano), ele compensa nas cenas movimentadas; seu Homem de Aço em ação é tão cinético e dinâmico no papel quanto o Homem-Aranha da melhor fase de Romita na Marvel.
Essa economia entre os momentos calmos e os instantes de ação - que ademais é a base da responsabilidade que Superman ensina a Ulysses na hora de dosar seu poder - é o ponto forte de "The Men of Tomorrow", uma boa história que sabe colocar as coisas em perspectiva: embora tudo relacionado a Superman tenda ao gigantismo, Johns sabe a hora de prestar atenção ao pequeno drama da população. Mesmo que a reviravolta de Ulysses seja um pouco manjada - de novo temos uma história que caminha para o dilema moral do "preço da pureza" - esse primeiro arco de Romita em Superman remedia o descaso recente da DC com seu principal ícone.
E há o final. A interessante mudança de status quo que encerra a edição, na cena envolvendo Superman e Jimmy Olsen, é o exemplo da reviravolta que acontece não para "agitar as coisas", como o título vinha sendo tratado nos Novos 52, e sim como evolução de um pensamento, decisão que já vinha sendo sinalizada desde o começo de "The Men of Tomorrow" e que é, por fim, a grande lição que Ulysses deixa ao Homem do Amanhã.