O que você produziu de melhor em 2020?
E quais são seus projetos para 2021?
Mandei essas duas perguntas para uma lista de quadrinistas do Brasil. Vou publicar as respostas na coluna durante o mês de janeiro.
Já falei com Pedro Cobiaco, Verônica Berta, Camilo Solano e Jéssica Groke na primeira coluna da série, com Lelis, Ing Lee, Deborah Salles e Wagner Willian na segunda e com Gidalti Jr., Brendda Maria, Paulo Crumbim e Cris Eiko na terceira.
Quanto ao melhor de 2020, vale tudo: uma HQ inteira, uma página, uma tira, uma capa, uma charge, uma ilustração. Só pedi que me enviassem uma imagem.
Quanto a 2021, cada um pode interpretar como quiser, falando sobre a vida ou sobre trabalho.
GUSTAVO DUARTE EM ALEMÃO
“Estávamos literalmente fazendo as malas quando meu editor ligou dizendo que a Feira do Livro de Leipzig havia sido cancelada”, me contou Gustavo Duarte.
O que ele ia fazer em Leipzig? Lançar Das Kabinett der Wunder, seu novo livro de HQs curtas, publicado pela Panini de lá em março. Ele tinha outros cinco eventos em lojas de quadrinhos alemãs. Tudo cancelado.
Kabinett reúne “Shorts”e “Não Acredite em Gnomos”, que ele já tinha lançado independente, e material inédito no Brasil: a HQ que ele produziu para um festival de cinema de terror e “Bauruzilla” – esta, sua preferida de 2020. Tem uma página acima com homenagem tezukiana.
Quando isso sai no Brasil? “Não tenho nenhuma previsão. Talvez eu possa lançar um dia de forma independente, com mais umas duas histórias inéditas. Ou, se eu voltar a ter uma relação com alguma editora aqui no Brasil, poderia ser lançada num livro nos moldes do Kabinett.”
Durante o ano, Gustavo terminou Dear Super-Villains, continuação de Querida Liga da Justiça com o escritor Michael Northrop – sai em abril nos EUA –, e uma história de Natal para a DC.
“Com a pandemia e as mudanças internas na DC, alguns projetos em que eu já deveria estar trabalhando foram pausados. Agora em janeiro aguardo resposta sobre quatro livros possíveis, para ver se eu começo ao menos um deles nesses primeiros meses de 2021, ainda com cara de 2020…”
LAURA ATHAYDE E MANAUS
Manauara morando em Belo Horizonte, Laura Athayde lançou em 2020 Aconteceu Comigo: histórias de mulheres reais em quadrinhos (Balão Editorial), coleção dos quadrinhos que ela publicou no Instagram baseados em relatos verídicos.
Laura continuou publicando bastante nas redes durante o ano. A tira que ela escolheu como melhor de 2020 – e que ela me diz que mais repercutiu – foi esta acima.
Tem planos maiores para 2021. “Comecei a trabalhar no roteiro de uma graphic novel junto com o Gabriel Mar, autor de Bem Vindos à Rua Maravilha. Estamos criando uma história que se passa em Manaus, nossa cidade natal, e procura retratar bem a realidade e as peculiaridades de lá.”
Faz semanas que Manaus é constante no noticiário brasileiro, então perguntei à Laura como ela está se vendo com a situação – e se isso vai aparecer no novo trabalho.
“Tenho que confessar que não tenho tido cabeça pra pensar a longo prazo... a minha família inteira está no meio desse caos e tá difícil sentir qualquer coisa que não seja impotência e desespero. Mas, no decorrer de 2020, eu fiz algumas tirinhas sobre a pandemia e como ela me afetava, especialmente sobre o falecimento do meu avô em decorrência da Covid.”
A tira é esta:
ALCIMAR FRAZÃO IN LOVI
“2020 foi um ano atípico para todos, mas um ano especialmente frustrante para mim no que toca à arte”, me conta por e-mail Alcimar Frazão (O Diabo & Eu, Cadafalso).
“Passei pelo que foi minha pior crise criativa nos primeiros meses da pandemia, sem conseguir produzir quase nada. Imagino que tenha sido assim para a maioria das pessoas...”
A crise passou. Alcimar se jogou em commissions, as artes encomendadas por seus fãs no Brasil e nos EUA. Ele organizou um portfólio foderoso no Instagram: tem Conan, Batman, Spawn, Thor e aquela supermulher Elza Soares, entre outros.
Ele já tem uma nova HQ completa: Lovistori, com roteiro de Lobo. Produzida com apoio do Proac (da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo), o álbum de 80 páginas “conta a história de amor entre um policial carioca e uma trabalhadora da noite, no dia do aniversário de casamento deles dois e no meio de diversas violências, preconceitos e invisibilidades.” O lançamento deve acontecer ainda no primeiro semestre.
“Estimo um ano mais leve”, Alcimar encerrou o e-mail.
A RECEITA DE BOLO DA LULI PENNA
“Comecemos o ano, não tem como fugir” foi o que Luli Penna (Sem Dó) me respondeu quando perguntei dos planos para 2021.
No finalzinho do ano ela lançou Milágrimas (editora Caixote) uma adaptação do poema de Alice S. Ruiz que virou música de Itamar Assumpção e foi cantada por muita gente.
Luli também passou o ano publicando os “Queimadinhos”, série na revista de instagram Queimada em que um casal comenta a quarentena do alto de sua cobertura.
Mas o trabalho que ela escolheu para representar seu 2020 foi a HQ bem curta que publicou no site do Instituto Moreira Salles. É mais ou menos uma receita de bolo. Você lê completa aqui.
Para 2021?
“Terminar uma graphic novel que está arrastada. Abandonei inteiramente um roteiro pronto, que já tinha várias páginas desenhadas, de uma HQ que se passava no Rio de Janeiro. Senti que não fazia mais sentido. Comecei outra do zero à qual prendendo me dedicar este ano.”
SAWE!
Entrou à venda na última quarta-feira no Comixology a primeira edição de Sawe!, HQ do paraense Tom Gomes (roteiro), do maranhense Ronilson Freire (desenhos) e do fluminense Fabrício Guerra (cores) que estrela indígenas brasileiros praticamente como super-heróis. Por enquanto, só em inglês.
A premissa é baseada em um mistério da arqueologia. “Ninguém sabe ao certo o motivo do desaparecimento dos povos marajoara e tucujú”, Tom Gomes me explica por e-mail. “Eles sumiram antes da chegada dos colonizadores. Há registros de objetos de cerâmica deles, de 7 mil anos, na região amazônica. São os mais antigos do continente.”
Segundo a HQ, algo de místico e macabro aconteceu com aqueles povos. Mas não sem que antes eles metessem bronca.
“‘Sawe’ é uma palavra utilizada pelo povo da etnia munduruku que serve para enfraquecer o inimigo. Não tem tradução para o português. Ela é usada em vários momentos, como quando alguém fala ‘Vamos à luta!’ e o povo grita ‘sawe!’, ou seja, mais ou menos ‘avante!’”, me explica o roteirista.
O material foi descoberto pela editora inglesa Markosia quando os autores começaram a mostrar páginas no Instagram. Ainda deve rolar um lançamento impresso – inclusive no Brasil.
A edição 1 custa US$ 1,99 na Comixology – onde você também lê um preview.
CRÔNICAS DA JUVENTUDE
O primeiro grande lançamento do ano na França? O novo de Guy Delisle, Chroniques de Jeunesse. Sai por lá na semana que vem.
Dessa vez, o autor de Crônicas Birmanesas, Crônicas de Jerusalém, Pyongyang e Shenzen viajou para o passado. Ele conta de quanto era adolescente e trabalhou numa fábrica de papel no Québec (Delisle é canadense). Foi o que financiou seus cursos de animação e o levou à carreira de hoje, como ele contou em entrevista à CNews.
A mídia francesa está feliz com o lançamento. Vale a pena ver o vídeo de Delisle desenhando na France Inter.
Como a imagem acima já entregou, Crônicas da Juventude vai sair no Brasil. A editora Zarabatana, que lançou todos os principais Delisle por aqui, programa para junho ou julho.
“Veja que coincidência”, me disse o editor e tradutor de Delisle no Brasil, Claudio Martini. “Como o Delisle, eu também trabalhei em uma fábrica de papel (de papelão, no meu caso) dos 16 aos 18 anos. Só que eu trabalhei no departamento de desenho de embalagens e não na produção de papel. O clima de trabalho, o tipo de pessoas que trabalham ali, porém, é muito semelhante. Me identifiquei muito.”
QUADRINHOS MILIONÁRIOS
Na quinta-feira passada, dia 14, uma pintura de Tintim pelo seu criador Hergé foi vendida por € 3,175 milhões (mais ou menos 21 milhões de cloroquinas). Foi em um leilão em Paris, na casa de leilões Arcturial.
É um recorde no mundo dos quadrinhos. De quem era o recorde anterior no mundo dos quadrinhos? Também de Tintim: o original das ilustrações que eram usadas nas folhas de guarda dos álbuns (as folhas coladas na parte interna da capa dura), leiloadas por € 2,65 milhões em 2014.
Na mesma quinta-feira passada, em Dallas, Texas, uma Batman n. 1 de 1940, muito bem conservada, trocou de mãos por US$ 2,2 milhões (uns 12 milhões de guedes). Só não bateu o recorde da Action Comics n. 1 que foi vendida por mais de US$ 3,2 milhões em 2014.
Chris Ware em pessoa leiloou um original no eBay durante esta semana. Um desenho de vinte anos atrás que ele fez para a livraria Quimby – que leiloou justamente para levantar grana para a Quimby. O preço inicial? Cem dólares. O lance vencedor? US$ 4 mil (21,5 mil irreais).
No Twitter, um usuário postou uma foto do original da capa de Cavaleiro das Trevas n. 1, por Frank Miller e Lynn Varley, e considerou: “Acho que sairia por mais de um milhão em leilão”. Quem dá mais?
VIRANDO PÁGINAS
Este mês faz 70 anos que a Supergirl (ou Supermoça; ou Supermôça) chegou no Brasil, na capa de Superman n. 61, da editora Ebal. “Quem será a môça superpoderosa?”, pergunta a capa. “Caramba! Uma môça… voando!”, diz Superman, surpreso em descobrir que mulheres também fazem o que ele faz.
Faz 50 anos que o Comics Code afrouxou as regras. Criado em 1954, a partir de 28 de janeiro de 1971 o Código de Ética dos Quadrinhos passou a permitir criminosos simpáticos, corrupção em órgãos públicos, “sugestão de sedução, mas sem representação”, assim como vampiros, fantasmas, lobisomens e criaturas da mesma laia. A Tumba de Drácula, Monstro do Pântano e outros surgiram daí.
Foi há exatos 10 anos que a DC Comics dispensou o Código de Ética dos Quadrinhos. Como a Marvel já tinha largado o selinho em 2001, a DC era a última grande editora que mantinha a tradição de cinco décadas e meia. O Comics Code Authority morreu de vez na mesma semana.
Hoje, dia 22, comemoram-se os 30 anos do início de Arma X, uma das histórias definitivas de Wolverine. Lançada na revista Marvel Comics Presents n. 72, a história com roteiro e desenho de Barry Windsor-Smith conta como Logan ganhou o esqueleto de adamantium. Já foi republicada uma cacetada de vezes nos EUA e no Brasil.
UMA CAPA
De Travis Charest, em Batman/Catwoman n. 2, desta semana. Só porque fazia tempos que eu não via nada do Travis Charest.