Assisti à entrega dos Eisner Awards 2022 pelo Twitter. Nos últimos dois anos, não havia acontecido cerimônia dos Eisners – nem Comic Con de San Diego – e o prêmio fez só uma “cerimônia” em vídeo, gravada com antecedência, anunciando os ganhadores. Depois dessas, talvez a organização tivesse pensado em um link de vídeo para o resto do mundo. Ainda não.
Pela conta do Popverse, fiquei acompanhando o conta-gotas dos premiados e supondo que a demora entre cada tuíte tinha a ver com longos discursos de agradecimento ou o vídeo de Quem Perdemos Este Ano. Teve um intervalo de mais ou menos uma hora sem prêmio nenhum. Total da cerimônia: três horas e meia na madrugada de sexta-feira para sábado, horário de Brasília.
A AZARONA DA NOITE
You Died: an Anthology of the Afterlife, coleção de pequenas histórias sobre a morte por várias autoras – todas desconhecidas do mercado, com uma exceção – saiu do Eisner com dois troféus: Melhor Antologia e Melhor História.
Li a coleção no fim de semana. Cada HQ curtinha tem um jeito de responder o que acontece depois que nós morremos, em um tom que parece voltado para o público infantojuvenil.
A única autora famosa é Raina Telgemeier, de Sorria, Coragem e outros, rainha das leitoras de 8 a 11 anos, que ficou responsável pelas páginas mais interessantes, a partir de um roteiro de Casey Gilly. Exatamente as páginas que ganharam Melhor História: “Funeral in Foam”.
Tem uma prévia da história vencedora aqui.
“Funeral in Foam” venceu a favorita “Generations” – aquela do Superman por Daniel Warren Johnson que fez marmanjo chorar. A antologia em que “Generations” saiu, Superman: Vermelho e Azul (recém lançada no Brasil), também perdeu para You Died. Tal como aconteceu com Asa Noturna, pode ser que os votantes tenham pensado a mesma coisa: “Generations” não precisa de um prêmio pra ser famosa. Melhor destacar um material que pouca gente notou.
NÚMEROS
Lovesickness, de Junji Ito
Junji Ito ganhou seu quarto Eisner: pela coleção Lovesickness, em Melhor Edição Norte-Americana de Material Estrangeiro: Ásia. Jeff Lemire ganhou seu terceiro Eisner: Melhor HQ Digital, por Snow Angels (com Jock). Hope Larson ganhou seu terceiro Eisner: Melhor Publicação para Crianças, por Salt Magic (com Rebecca Mock).
Foi o terceiro prêmio consecutivo para o site Women Write About Comics na categoria Melhor Periódico Relacionado a Quadrinhos – mesmo que o site tenha recusado o prêmio quando ganhou da primeira vez, em 2020.
A série A Marcha ganhou seu terceiro Eisner: Melhor Autobiografia, pelo derivado Run, ainda inédito no Brasil. Foi uma das últimas produções do deputado norte-americano John Lewis (1940-2020), em colaboração com Andrew Aydin, L. Fury e Nate Powell.
Scott Dunbier ganhou seu sétimo Eisner na categoria Melhor Coleção/Projeto Patrimônio - Revistas, como editor de mais uma Artist’s Edition – desta vez uma coleção de capas da EC Comics.
Stan Sakai ganhou seu décimo-primeiro Eisner: Melhor Publicação para Primeiros Leitores, por Chibi Usagi (com Julie Sakai).
Neil Gaiman ganhou seu décimo-oitavo Eisner. Ainda está atrás dos 22 de Chris Ware e dos 26 de Alan Moore.
OS EISNERS ADORAM O BRASIL?
Do Omelete, em 2011
Somando os dois da sexta-feira, o quadrinho brasileiro já reúne 13 troféus do Prêmio Eisner. Oito deles são dos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, reunidos em 2008, 2011 e 2016. Rafael Grampá ganhou em 2008, Rafael Albuquerque em 2011, Marcelo D’Salete em 2018. Fido Nesti e Mike Deodato Jr. fecharam os treze na sexta-feira.
(Adriana Melo também costuma ser contada entre vencedores brasileiros, mas o Eisner não lista seu nome e nem lhe deu troféu. Ela fez parte de Puerto Rico Strong, coleção que ganhou Melhor Antologia em 2019. A categoria só concede troféus aos editores. Moon, Bá, Albuquerque, Ivan Reis e outros brazucas também já participaram de antologias vencedoras, mas não têm troféus por elas.)
O Eisner é um prêmio norte-americano e, por isso, dá preferência a quem nasceu nos cinquenta estados gringos. Canadenses, britânicos e outros que têm o inglês como primeira língua sempre entraram com relativa facilidade no mercado de lá e são considerados de casa. Há duas categorias para material estrangeiro, sendo uma geral e uma para a Ásia - onde japoneses ganham quase sempre.
Fora essas ressalvas, os brasileiros estariam entre as nacionalidades mais premiadas no Eisner?
“EU AVISEI”
No posfácio de Nem Todo Robô (que saiu no Brasil pela Comix Zone), Mike Deodato Jr. conta que não se achava uma boa escolha para desenhar uma série de humor, apesar de ter adorado o roteiro. O editor Axel Alonso o convenceu.
Depois de convencido, Deodato mandou a Alonso um e-mail meio brincalhão, que desencavou neste sábado: “Lembre de dizer ‘eu avisei’ quando essa aqui me render um Eisner.”
Perguntei ao Deodato se Alonso mandou o “eu avisei”.
“Ele nem lembrava. Mas disse que estava mais do que na hora do meu Eisner.”
(o)
Sobre o autor
Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato. Também é autor do livro Balões de Pensamento – textos para pensar quadrinhos.
Sobre a coluna
Toda sexta-feira (ou quase toda), virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.
#84 – Quem vem primeiro: o roteirista ou o desenhista?
#83 – Qual brasileiro vai ao Eisner?
#82 – Dois quadrinhos franceses sobre a música brasileira
#81 – Pronomes neutros e o que se aprende com os quadrinhos
#80 – Retomando aquele assunto
#79 – O quadrinista brasileiro mais vendido dos EUA
#78 – Narrativistas e grafistas
#77 – George Pérez, passionate
#76 – A menina-robô que não era robô nem menina
#75 – Moore vs. Morrison nos livros de verdade
#74 – Os autores-problema e suas adaptações problemáticas
#73 – Toda editora terá seu Zidrou
#72 – A JBC é uma ponte
#71 – Da Cidade Submersa para outras cidades
#70 – A Comix 2000 embaixo do monitor
#69 – Três mulheres, uma Angoulême e a década feminina
#68 – Quem foi Miguel Gallardo?
#67 – Gidalti Jr. sobre os ombros de gigantes
#66 – Mais um ano lendo gibi
#65 – A notícia do ano é
#64 – Quando você paga pelo que pode ler de graça?
#63 – Como se lê quadrinhos da Marvel?
#62 – Temporada dos prêmios
#61 – O futuro da sua coleção é uma gibiteca
#60 – Vai faltar papel pro gibi?
#59 - A editora que vai publicar Apesar de Tudo, apesar de tudo
#58 - Os quadrinhos da Brasa e para que serve um editor
#57 - Você vs. a Marvel
#56 - Notícias aos baldes
#55 – Marvel e DC cringeando
#54 – Nunca tivemos tanto quadrinho no Brasil? Tivemos mais.
#53 - Flavio Colin e os quadrinhos como sacerdócio
#52 - O direct market da Hyperion
#51 - Quadrinhos que falam oxe
#50 - Quadrinho não é cultura?
#49 - San Diego é hoje
#48 - Robson Rocha, um condado, risografia e Cão Raivoso
#47 - A revolução dos quadrinhos em 1990
#46 - Um clássico POC
#45 - Eisner não é Oscar
#44 - A fazendinha Guará
#43 - Kentaro Miura, o karôshi e a privacidade
#42 - A maratona de Alison Bechdel, Laerte esgotada, crocodilos
#41 - Os quadrinhos são fazendinhas
#40 - Webtoons, os quadrinhos mais lidos do mundo
#39 - Como escolher o que comprar
#38 - Popeye, brasileiros na França e Soldado Invernal
#37 - Desculpe, vou falar de NFTs
#36 - Que as lojas de quadrinhos não fiquem na saudade
#35 - Por que a Marvel sacudiu o mercado ontem
#34 - Um quadrinista brasileiro e um golpe internacional
#33 - WandaVision foi puro suco de John Byrne
#32 - Biografia de Stan Lee tem publicação garantida no Brasil
#31 - Sem filme, McFarlane aposta no Spawnverso
#30 - HQ dá solução sobrenatural para meninos de rua
#29 - O prêmio de HQ mais importante do mundo
#28 - Brasileiros em 2021 e preguiça na Marvel
#27 - Brasileiros pelo mundo e brasileiros pelo Brasil
#26 - Brasileiros em 2021 e a Marvel no Capitólio
#25 - Mais brasileiros em 2021
#24 - Os brasileiros em 2021
#23 - O melhor de 2020
#22 - Lombadeiros, lombadeiras e o lombadeirismo
#21 - Os quadrinistas e o bolo do filme e das séries
#20 - Seleções do Artists’ Valley
#19 - Mafalda e o feminismo
#18 - O Jabuti de HQ conta a história dos quadrinhos
#17 - A italiana que leva a HQ brasileira ao mundo
#16 - Graphic novel é só um rótulo marketeiro?
#15 - A volta da HQ argentina ao Brasil
#14 - Alan Moore brabo e as biografias de Stan Lee
#13 - Cuidado com o Omnibus
#12 - Crise criativa ou crise no bolo?
#11 - Mix de opiniões sobre o HQ Mix
#10 - Mais um fim para o comic book
#9 - Quadrinhos de quem não desiste nunca
#8 - Como os franceses leem gibi
#7 - Violência policial nas HQs
#6 - Kirby, McFarlane e as biografias que tem pra hoje
#5 - Wander e Moebius: o jeitinho do brasileiro e as sacanagens do francês
#4 - Cheiro de gibi velho e a falsa morte da DC Comics
#3 - Saquinho e álcool gel: como manter as HQs em dia nos tempos do corona
#2 - Café com gostinho brasileiro e a história dos gibis que dá gosto de ler
#1 - Eisner Awards | Mulheres levam maioria dos prêmios na edição 2020
#0 - Warren Ellis cancelado, X-Men descomplicado e a versão definitiva de Stan Lee
(c) Érico Assis