O início do ano passado parece uma coisa distante, mas naquele outro mundo eu tinha um ritual de sábado à tarde: ir à Escudo Geek, pegar meus gibis da semana e ficar uns quinze minutos para conversar com o Antonio do Vale, o dono, e com outros que seguiam o ritual do sábado.
Conversas sobre gibi, claro. O que está saindo, o que vale a pena, o que não vale. Por que o filme da Marvel desse ano é ruim e por que o filme que a gente tinha achado ruim no ano passado, na verdade, é bom. Regatear por aquelas edições antigas da Piratas do Tietê, a coleção completa de Éden, uns importados que saíam de algum baú. Era o único lugar em que eu ficava à vontade de dizer quais gibis que eu traduzo são péssimos e que meus amigos deviam passar longe.
Amigos de banca, no caso. Não sei o que mais fazem da vida, não registrei nem os nomes (desculpem). Tinha o cara da barba, o moleque de óculos que só ficava escutando, tinha a menina que comprava pilhas de mangá enquanto o namorado marombeiro posava de guarda-costas, tinha o pessoal que vinha de cidades da volta, tinha crianças se decidindo entre Mônica ou Naruto (minha filha era uma). A gente tinha algo em comum.
Eu só tinha aqueles quinze minutos no sábado. Alguns passavam a tarde na banca. Eu também queria passar.
UM GRANDE ACORDO EM QUADRINHOS
Um dos motivos para a pandemia estar demorando mais do que devia, explicado em quadrinhos. Um grande acordo nacional, reportagem em HQ do paranaense Robson Vilalba, sai no mês que vem.
É a história da derrubada da presidente Dilma Rousseff e dos principais envolvidos no golpe: o deputado Eduardo Cunha, a jurista Janaína Paschoal, o senador Romero Jucá e o vice-presidente Michel Temer. No meio disso, o próprio Vilalba tentando entender a situação como jornalista cobrindo a política brasileira.
“A HQ tem um tempo que é lento, próprio do processo”, diz Vilalba, em conversa pelo Facebook. “E isso ajudou muito nesse projeto. Eu acho que as análises em texto sobre o período tinham esse esforço de tentar dar conta de tudo e ‘para hoje’. Nos quadrinhos eu poderia ir recolhendo diferentes impressões e ir percebendo o desenrolar dos fatos. E, na minha opinião, isso garantiu ao livro uma certa perenidade.”
MOORE SEM NOME
Que Alan Moore é bom demais para o mundo em que a gente vive, você já sabia. Mas às vezes a gente desconfia por que Moore insiste com suas moorices.
Por exemplo: semana que vem sai nos EUA In Pictopia, edição de luxo de uma história curtinha escrita por Moore, com arte de Don Simpson, Mike Kazaleh, Pete Poplaski e Eric Vincent. Mas o nome de Moore não está na capa nem na divulgação – provavelmente a pedido dele.
Na descrição da editora Fantagraphics, In Pictopia é “uma HQ lendária criada em 1986, escrita pelo autor mais ousado daquela era”.
Por que o nome de Moore não aparece? Ninguém sabe. Mas quase todo mundo sabe que “Em Pictopia” é de Moore. Desde que saiu numa antologia, há 35 anos, ela circula entre os fãs do barbudão de Northampton e há pouco tempo entrou na coleção Histórias Brilhantes (lançada pela Mythos no ano passado). É realmente uma HQ lendária.
Uma página de “Em Pictopia”
Em entrevista recente ao canal Inteligência Limitada, o editor Alexandre Callari, da Pipoca & Nanquim, disse que a editora tentou negociar novos materiais de Moore para publicação no Brasil – e não conseguiu, porque Moore não libera os direitos. Aparentemente, o “autor mais ousado” dos anos 1980 não quer que alguns de seus quadrinhos voltem a circular.
O que é totalmente do direito de qualquer autor. Mas não deixa de ser uma moorice meio estranha.
É o que também estranha o novo agente literário de Moore, James Wills, em entrevista ao Bookseller. Apesar de ter agentes para seus quadrinhos, Moore publicou alguns livros de prosa e nunca teve agente nessa área, até agora.
“Ele me disse que não acreditava em agentes”, diz Wills. “E é uma pena, porque talvez algumas coisas teriam sido diferentes pra ele. Mas estou feliz em representá-lo.”
Wills também diz que está negociando com editoras britânicas trabalhos inéditos de Moore: uma coleção de contos e uma série de “ficção especulativa” chamada Long London.
TRÊS CATARSES
Helô d’Angelo vai reunir as histórias dos seus vizinhos paulistanos durante a pandemia em álbum. É Isolamento, que acabou de estrear no Catarse. Serão 200 páginas do que ela publicou nas suas redes entre o ano passado e este. Tem apoios a partir de R$ 30.
Uma Nuvem no seu Oliveira é a colaboração entre Phellip Willian e Eduardo Ribas com a história de um velhinho rabugento que quer ditar a vida das crianças do bairro. Dá para apoiar com direito a arte comissionada e preços módicos. A campanha vai até 4 de maio.
Dieferson Trindade tem só 24 anos, é porto-alegrense e já lançou sete HQs via Catarse. A nova chama-se Os Dias Ruins Acabaram, e trata de dois amigos caminhando pelo bairro enquanto discutem família, políticos e sorvete. Só o traço do Dieferson já é um acontecimento no quadrinho brasileiro, e ele ainda manja bem de diálogos. A HQ custa só R$ 24.
VIRANDO PÁGINAS
A primeiríssima página de Sin City, de 1991
Sin City, de Frank Miller, estreou há 30 anos na Dark Horse Present Fifth Anniversary Special. O que começou como uma série de pequenas histórias virou um dos maiores trabalhos da vida de Miller. Escrevi 25 curiosidades sobre a série quando ela fez 25 anos, aqui no Omelete.
Stefano Tamburini, um dos criadores de Ranxerox e fundador das revistas italianas Cannibale e Frigidaire, faleceu há 35 anos por overdose de heroína. Seu corpo foi encontrado no apartamento em Roma em abril de 1986, e ninguém sabe a data exata do falecimento. Ele tinha só 30 anos.
O pernambucano Watson Portela publicou uma das primeiras “graphic novels” brasileiras, Paralelas, há 35 anos. Era uma coleção de histórias autorais de Portela, que já tinha carreira no quadrinho erótico e viria a produzir muito na Editora Abril. Paralelas foi reeditado pela Devir em 2015.
Jason Lutes começou a publicar Berlim como série em abril de 1996, há 25 anos. Levaria quase todo esse tempo para concluir a história, o calhamaço que saiu no ano passado no Brasil (pela Veneta) e que é um dos grandes quadrinhos americanos da década.
UMA CAPA
Provisória, daquele que provavelmente será o quadrinho mais vendido no mundo em 2021: Asterix e o Grifo, nova aventura dos gauleses por Jean-Yves Ferri e Didier Conrad. Foi divulgada esta semana. Asterix continua sem publicação no Brasil e ninguém entende por quê.