Talvez você não conheça o nome, mas você já leu algum quadrinho da Sarah Andersen. Até sem querer. Os quadrinhos de Andersen falam de gatos, das tensões de chegar aos 30, de procrastinação e de gatos. Sua alter ego é uma menina de olhos esbugalhados e camisa listrada. Geralmente você encontra os quadrinhos dela num RT ou story, com a legenda “Euzinha” ou “Que nem a gente”. Eles são mais conhecidos como memes do que como quadrinhos da Sarah Andersen.
Mas há quem conheça a autora pelo nome. Muita gente. São quatro milhões no Instagram. Seus livros – Ninguém Vira Adulto de Verdade, A Louca dos Gatos, Uma Bolota Molenga e Feliz, Mordida – frequentam listas de mais vendidos, inclusive no Brasil. Sua alter ego esbugalhada já aparece em calendários, agendas e – vi agora no Instagram – vela aromática.
E aí, quando uma profissional do porte da Sarah Andersen fica preocupada com desenhos gerados por inteligência artificial, você suspeita que o debate sobre I.A. e arte está tomando outra proporção.
“Violentada” parece um termo forte para a situação. Andersen estaria fazendo um paralelo entre o que os modelos fazem com seu desenho e um estupro? Do ponto de vista de quem desenha e vê seu próprio desenho ser reproduzido por uma máquina, ela argumenta que a sensação é esta mesmo.
“Meu jeito de desenhar vem do complexo resultado da minha formação, dos gibis que eu devorava quando era menor e de um monte de pequenas escolhas que constituem o somatório da minha vida”, diz Andersen.
“Os detalhes às vezes são mais pessoais do que os leitores têm noção: a camiseta listrada da minha personagem, por exemplo, é uma referência ao protagonista de Calvin & Haroldo, minha tira preferida. Mesmo quando uma pessoa me copia, as variações e nuances em aspectos como espessura do traço dificultam uma reprodução exata. Não tem como um ser humano não colocar sua humanidade na arte. Arte é uma coisa pessoal e a inteligência artificial apaga a humanidade quando reduz a obra da minha vida a um algoritmo.”
Um contrato de seis dígitos no caso de Maia Kobabe, autore do “livro mais banido dos EUA”, Gênero Queer. Seu novo livro foi comprado pela Scholastic, gigante do mercado infantojuvenil, por um adiantamento acima dos US$ 100 mil. Chama-se Saachi’s Stories e trata de uma garota aspirante a escritora que reluta com o binarismo de meninos e meninas. Vai ser uma colaboração com desenhiste Lucky Srikumar e sai em 2025.
Gênero Queer sai em junho no Brasil.
QUERO LER EM 2023
Um quadrinho do qual eu sei muito pouco além da capa e da descrição – e só esbarrei nessas duas coisas ontem. Bea Wolf, de Zach Weinersmith e Boulet.
É a versão feminina e kids de Beowulf, uma das narrativas mais antigas da humanidade. Na versão, “uma gangue de crianças encrenqueiras tem que defender sua casa na árvore de um ser que odeia a diversão e que transforma crianças em adultos.”
Zach Weinersmith é o autor de Saturday Morning Breakfast Cereal, a webcomic brilhante e lida por milhões. Boulet é o francês Gilles Roussel, com longa carreira na internet e uma pilha de álbuns. Nunca imaginei os dois juntos.
A capa traz recomendações de Lemony Snicket e Neil Gaiman. Sai em março nos EUA. Dá para ver umas páginas aqui.
VIRANDO PÁGINAS
O primeiro quadrinho oficial do selo Vertigo saiu em 12 de janeiro de 1993, há 30 anos. Foi Morte: o Preço da Vida n. 1, início da minissérie com a irmã mais famosa de Morpheus. Naquele mesmo mês, várias séries adultas da DC ganharam o selo Vertigo: Hellblazer, Sandman, Homem-Animal, Monstro do Pântano, Shade, Patrulha do Destino. O selo lançaria sua última revista oficial em janeiro de 2020, depois de 27 anos.
Sam Kieth completou 60 anos na quarta-feira, dia 11. Um dos criadores de Sandman, desenhista de várias histórias de Wolverine, criador de The Maxx, o autor está na ativa desde os 17 anos. Seus últimos trabalhos foram a série The Hollows e o cross-over Batman/The Maxx. E eu não sabia que ele tem um blog (atualizado!).
A Lenda de Kamui, clássico de Sanpei Shirato, começou a ser publicado no Brasil em janeiro de 1993, há 30 anos. Foi um dos primeiros mangás a sair no país e teve apenas três edições. Nunca mais foi republicada nem concluída.
UMA CAPA
De Chris Ware, para a última edição do ano da New Yorker, o especial de cartuns e palavras cruzadas. Ele misturou as duas coisas e seu processo de criação. A animação é de John Kuramoto. Aqui você vê maior.
Em entrevista, Ware disse que uma de suas inspirações foi Fun, o quadrinho sobre palavras cruzadas de Paolo Bacilieri.
UMA PÁGINA
Que eu nunca tinha visto, de Paul Gulacy – a primeira de Six From Sirius, sua parceria autoral com Doug Moench em 1984.
(o)
Sobre o autor
Érico Assis é jornalista da área de quadrinhos desde que o Omelete era mato. Também é autor dos livros Balões de Pensamento – textos para pensar quadrinhos e Balões de Pensamento 2 – ideias que vêm dos quadrinhos.
Sobre a coluna
Toda sexta-feira (ou quase toda), virando a página da semana nos quadrinhos. O que aconteceu de mais importante nos universos das HQs nos últimos dias, as novidades que você não notou entre um quadrinho e outro. Também: sugestões de leitura, conversas com autores e autoras, as capas e páginas mais impactantes dos últimos dias e o que rolar de interessante no quadrinho nacional e internacional.
#101 – Os essenciais de Angoulême
#100 – O (meu) cânone dos quadrinhos
#99 – A melhor CCXP de uns, a pior CCXP de outros
#98 – Os prêmios e os quadrinhos que vão valer em 2047
#97 – Art Spiegelman, notável
#96 – O mundo quer HQ brasileira
#95 – A semana do Brasil e do quadrinho brasileiro
#94 – Todo fim de ano um engarrafatarse
#93 – Um almoço, o jornalismo-esgoto e Kim Jung-Gi
#92 – A semana mais bagunçada da nossa história
#91 – Ricardo Leite em busca do tempo
#90 – Acting Class, a graphic novel queridinha do ano
#89 – Não gostei de Sandman, quero segunda temporada
#88 – O novo selo Poseidon e o Comicsgate
#87 – O mundo pós-FIQ: você tinha que estar lá
#86 – Quinze lançamentos no FIQ 2022
#85 – O Eisner 2022, histórico para o Brasil
#84 – Quem vem primeiro: o roteirista ou o desenhista?
#83 – Qual brasileiro vai ao Eisner?
#82 – Dois quadrinhos franceses sobre a música brasileira
#81 – Pronomes neutros e o que se aprende com os quadrinhos
#80 – Retomando aquele assunto
#79 – O quadrinista brasileiro mais vendido dos EUA
#78 – Narrativistas e grafistas
#77 – George Pérez, passionate
#76 – A menina-robô que não era robô nem menina
#75 – Moore vs. Morrison nos livros de verdade
#74 – Os autores-problema e suas adaptações problemáticas
#73 – Toda editora terá seu Zidrou
#72 – A JBC é uma ponte
#71 – Da Cidade Submersa para outras cidades
#70 – A Comix 2000 embaixo do monitor
#69 – Três mulheres, uma Angoulême e a década feminina
#68 – Quem foi Miguel Gallardo?
#67 – Gidalti Jr. sobre os ombros de gigantes
#66 – Mais um ano lendo gibi
#65 – A notícia do ano é
#64 – Quando você paga pelo que pode ler de graça?
#63 – Como se lê quadrinhos da Marvel?
#62 – Temporada dos prêmios
#61 – O futuro da sua coleção é uma gibiteca
#60 – Vai faltar papel pro gibi?
#59 - A editora que vai publicar Apesar de Tudo, apesar de tudo
#58 - Os quadrinhos da Brasa e para que serve um editor
#57 - Você vs. a Marvel
#56 - Notícias aos baldes
#55 – Marvel e DC cringeando
#54 – Nunca tivemos tanto quadrinho no Brasil? Tivemos mais.
#53 - Flavio Colin e os quadrinhos como sacerdócio
#52 - O direct market da Hyperion
#51 - Quadrinhos que falam oxe
#50 - Quadrinho não é cultura?
#49 - San Diego é hoje
#48 - Robson Rocha, um condado, risografia e Cão Raivoso
#47 - A revolução dos quadrinhos em 1990
#46 - Um clássico POC
#45 - Eisner não é Oscar
#44 - A fazendinha Guará
#43 - Kentaro Miura, o karôshi e a privacidade
#42 - A maratona de Alison Bechdel, Laerte esgotada, crocodilos
#41 - Os quadrinhos são fazendinhas
#40 - Webtoons, os quadrinhos mais lidos do mundo
#39 - Como escolher o que comprar
#38 - Popeye, brasileiros na França e Soldado Invernal
#37 - Desculpe, vou falar de NFTs
#36 - Que as lojas de quadrinhos não fiquem na saudade
#35 - Por que a Marvel sacudiu o mercado ontem
#34 - Um quadrinista brasileiro e um golpe internacional
#33 - WandaVision foi puro suco de John Byrne
#32 - Biografia de Stan Lee tem publicação garantida no Brasil
#31 - Sem filme, McFarlane aposta no Spawnverso
#30 - HQ dá solução sobrenatural para meninos de rua
#29 - O prêmio de HQ mais importante do mundo
#28 - Brasileiros em 2021 e preguiça na Marvel
#27 - Brasileiros pelo mundo e brasileiros pelo Brasil
#26 - Brasileiros em 2021 e a Marvel no Capitólio
#25 - Mais brasileiros em 2021
#24 - Os brasileiros em 2021
#23 - O melhor de 2020
#22 - Lombadeiros, lombadeiras e o lombadeirismo
#21 - Os quadrinistas e o bolo do filme e das séries
#20 - Seleções do Artists’ Valley
#19 - Mafalda e o feminismo
#18 - O Jabuti de HQ conta a história dos quadrinhos
#17 - A italiana que leva a HQ brasileira ao mundo
#16 - Graphic novel é só um rótulo marketeiro?
#15 - A volta da HQ argentina ao Brasil
#14 - Alan Moore brabo e as biografias de Stan Lee
#13 - Cuidado com o Omnibus
#12 - Crise criativa ou crise no bolo?
#11 - Mix de opiniões sobre o HQ Mix
#10 - Mais um fim para o comic book
#9 - Quadrinhos de quem não desiste nunca
#8 - Como os franceses leem gibi
#7 - Violência policial nas HQs
#6 - Kirby, McFarlane e as biografias que tem pra hoje
#5 - Wander e Moebius: o jeitinho do brasileiro e as sacanagens do francês
#4 - Cheiro de gibi velho e a falsa morte da DC Comics
#3 - Saquinho e álcool gel: como manter as HQs em dia nos tempos do corona
#2 - Café com gostinho brasileiro e a história dos gibis que dá gosto de ler
#1 - Eisner Awards | Mulheres levam maioria dos prêmios na edição 2020
#0 - Warren Ellis cancelado, X-Men descomplicado e a versão definitiva de Stan Lee
(c) Érico Assis