Pedro Ferreira - Fora do Plástico

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Domingo de FIQ: um balanço da 11ª edição

Antigo local é lembrado com saudosismo, mas público foi ativo e HQs esgotaram logo no início do Festival

09.08.2022, às 09H14.
Atualizada em 09.08.2022, ÀS 09H31

Quem foi ao FIQ no último fim de semana se deparou com uma fila que se estendia pelo Minascentro, até dar voltas nos quarteirões. Ainda sem estimativa de público oficial, que deve ser divulgada nos próximos dias pela Fundação Municipal de Cultura, a impressão é de que o festival estava recebendo uma multidão. Após quatro anos desde a última edição, em 2018, que contou com mais de 80 mil pessoas, o evento foi considerado um sucesso de público. 

Apesar do ápice de movimento ter acontecido no sábado, quando até mesmo caminhar por entre as mesas dos artistas era difícil, quadrinistas contam que notaram um bom número de vendas desde os primeiros dias do FIQ 2022. "Estávamos com medo de como seria essa recepção do ‘pós-pandemia’ e tivemos a melhor surpresa de todas”, conta o quadrinista Gustavo Borges. Gustavo e Eric Peleias, seu companheiro de mesa e na série de HQs Como Fazer Amigos e Enfrentar Fantasmas, notaram que muitos consumidores estavam à espera de um evento presencial para comprar HQs lançadas durante a pandemia. Assim, o festival se configura também como uma oportunidade de o leitor conhecer aquelas obras de perto e comprar uma edição autografada, por exemplo.

Lobo Ramirez, quadrinista e criador do selo Escória Comix ficou surpreso com a quantidade de vendas logo nos primeiros dias do evento. No sábado, quando estava prestes a esgotar a quantidade de quadrinhos que havia levado, teve uma ideia ao lado de outros quadrinistas: criar o “zine do FIQ”, feito em formato A4, com a colaboração de artistas como Aline Zouvi e Max Andrade. Impresso no domingo de manhã, o zine já estava sendo vendido no mesmo dia. 

Foi comum escutar que artistas haviam esgotado os produtos disponíveis e encontrar mesas já vazias no último dia evento, afinal, já não havia nada para ser vendido. Foi o caso de Yoshi Itice e Gabriela Güllich, que postaram nas redes sociais informando que não havia mais quadrinhos à venda. "Só sobraram as plaquinhas (com nomes e valores das HQs) pra contar história”, escreveu Gabriela. A autora de Arlindo, Luiza de Souza, conhecida como Ilustralu, precisou pedir novos exemplares da HQ na distribuidora, porque vendeu todos logo na quinta-feira. Os livros que chegaram também acabaram, dessa vez no domingo de manhã. 

O sucesso nas vendas não é o único motivo de alegria para quadrinistas que foram ao FIQ. O evento é conhecido na cena de quadrinhos como um ambiente de troca e celebração entre os quadrinistas. “A gente não leva em conta somente o capital financeiro. Se formos olhar essa questão, a conta fica no zero a zero, praticamente”, explica Evaldo Vasconcelos, que organizou, ao lado de Sâmela Hidalgo, o estande Quadrinhos da Amazônia. A despesa de ter um estande no festival e vir do Norte do país é significativamente alta, destaca o quadrinista. “O grande retorno está no capital social. São os contatos que fazemos, as possibilidades de parceria que encontramos. Viemos aqui não só para sermos vistos, mas também para evidenciar para o poder público do Amazonas e de Manaus o quanto o quadrinho é um setor artístico interessante para investir”, observa Evaldo.

Nayara Matias da Silva e Antonio Neves Dias levaram os filhos e o sobrinho para conferir o domingo de FIQ e disseram notar mais diversidade entre os quadrinistas e maior participação do público, em relação às edições anteriores que frequentaram. Porém, Nayara aponta que esse aparente aumento de público deveria ser considerado para a realização de edições futuras em um espaço maior.

Positivo e negativo

Entre as principais críticas ao evento, tanto por parte do público quanto de expositores, estava a mudança de espaço. As últimas edições, realizadas na Serraria Souza Pinto, também na região central de Belo Horizonte, foram lembradas com certo saudosismo, não somente por o local parecer mais amplo, mas também pela disposição de estandes, mesas e praça de alimentação. Neste ano, o espaço tradicionalmente associado ao FIQ não estava disponível para a realização do festival.

O espaço do Minascentro utilizado pela 11ª edição do FIQ não era climatizado na maior parte dos lugares, o que tornou o ambiente abafado, principalmente quando as temperaturas ultrapassaram 30º. A lotação do local também colaborou com o aumento da sensação térmica. Ao contrário da Serraria, em que todos os espaços do evento eram integrados, a disposição na nova localidade precisou ser fracionada o que, na opinião de alguns expositores, desfavoreceu os estandes, que recebiam menos público por causa da divisão de ambientes.

Além do bom número de vendas entre os quadrinistas em geral, e do impressionante comparecimento do público, o evento foi elogiado pela acessibilidade nas mesas de debate, que pela primeira vez ganharam tradução simultânea para libras em toda a programação, de acordo com Amma Fonseca, curadora da edição. O número de mulheres, negros e pessoas LGBTQIAP+ entre artistas, convidados e participantes de mesas também se destacou, assim como a pluralidade de temáticas abordadas.

Parte da organização do FIQ desde 2005, o assessor da Diretoria de Políticas de Festivais da Fundação Municipal de Cultura Afonso Andrade destaca que devido ao tempo de organização do festival, que teve data anunciada oficialmente em junho, a captação de recursos foi impactada. Dessa forma, o evento contou somente com a verba da Prefeitura de Belo Horizonte, sem patrocínio do setor privado.

Entre acertos e erros, o Festival Internacional de Quadrinhos manteve sua essência, em um ano difícil. É evidente que sua realização é fundamental para a cena de quadrinhos brasileira e a relevância de seu papel social. Um evento aberto ao público, que para muitos quadrinistas é sinônimo de encontros com os leitores, com outros autores, com editores e profissionais da área. O FIQ 2022 não foi perfeito, assim como outras edições não o foram, mas teve aquela energia que, quem já participou, sabe que só o FIQ tem.