HQ/Livros

Entrevista

Omelete entrevista: Fábio Moon e Gabriel Bá

Omelete entrevista: Fábio Moon e Gabriel Bá

21.08.2002, às 00H00.
Atualizada em 05.12.2016, ÀS 15H04

Eles lutaram bastante, e continuam decididos e dedicados a fazer seu próprio trabalho evoluir - ao mesmo tempo contribuindo para um novo estágio de evolução do quadrinho brasileiro. Fábio Moon e Gabriel Bá, os gêmeos quadrinhistas responsáveis por 10 pãezinhos, falam aqui dos primeiros trabalhos, das influências, do Novo Quadrinho Brasileiro e de São Paulo.

Os dois cursaram Artes Plásticas (Fábio na FAAP, Gabriel na ECA/USP), e sempre estiveram envolvidos com artes visuais. Fora os quadrinhos, Fábio já trabalhou com storyboards e direção de arte em cinema e videoclips, em Nova Iorque e na Suíça. Gabriel já foi professor - de História da Arte, como assistente, no ensino médio, e na Fábrica de Quadrinhos. Hoje ambos dedicam-se inteiramente às HQs e à ilustração.

O Omelete agradece à dupla pela excelente entrevista.

Há quanto tempo vocês trabalham com quadrinhos, e no que trabalham atualmente (seja em HQs ou além)?

Somos de São Paulo, capital, e sempre moramos por aqui mesmo. Nascemos em 1976 e trabalhamos com quadrinhos desde 1993. O começo foi em fanzine, mas sempre levamos nosso esforço a sério, não importa a publicação.

Atualmente, estamos produzindo novas HQs, fazendo ilustrações para revistas infantis (na revista Recreio, da editora Abril) e, eventualmente, fazendo storyboards de propaganda.

Como e quando surgiu o 10 pãezinhos?

O 10 pãezinhos surgiu em 1997 da nossa vontade incontrolável de fazer HQ. Não ter editora para publicar simplesmente não era desculpa para não produzir, então fizemos em fanzine. Vendíamos a R$ 0,50 (cinqüenta centavos) para ninguém ter cara de reclamar que estava caro (você vê os fanzines por aí e eles chegam a custar R$5,00) e, na semana seguinte, chegávamos com outro número pronto. Essa periodicidade semanal criou uma vontade nas pessoas de querer ver o nosso trabalho, pois o fanzine tornou-se algo cotidiano na vida delas. Quando não havia fanzine, a moçada sentia falta.

No meio de 1997, decidimos ampliar o esquema do fanzine, que até então era vendido principalmente na faculdade (ECA e FAAP). Mostramos nosso trabalho na Devir [comics shop paulistana] e, a partir de Agosto de 1997, passamos a deixar um reparte de exemplares na loja, o que acarretou um público leitor oriundo de várias partes do país. Recebemos cartas da Bahia, de Santa Catarina, de Minas e vários outros lugares do Brasil, graças à iniciativa de colocar o fanzine na Devir. Nessa época, a história em produção era O girassol e a lua, que, em 2000, foi publicada em livro pela Via Lettera.

Em 1998 o fanzine entrou em hibernação, sobrevivendo apenas de constantes pedidos pelo correio dos números correspondentes ao Girassol, que duraram por mais de dois anos.

Em 2000, tomados pelo entusiasmo da publicação de O girassol e a lua em livro e ávidos pela oportunidade de mostrar nosso trabalho para novas pessoas, voltamos a produzir o fanzine, que, desta vez, passou a ser vendido também nos bares e lugares que freqüentávamos. Ainda a R$ 0,50, produzimos mais dezessete números, dos quais dez continham a história Meu coração, não sei por que. A produção de 97/98, unida à produção de 2000, nos renderam o prêmio HQ Mix de melhor fanzine em 2000.

Há alguma possibilidade de edições/histórias passadas do 10 pãezinhos virarem álbuns? Há novas histórias em produção (além das contribuições em coletâneas) para álbuns só de vocês?

Temos muita vontade de compilar o material antigo do fanzine em um álbum contendo as histórias, alguns editoriais e as tiras do NAM, mas ainda não deu tempo de reunir todo o material. Mas está nos planos. Quanto novas histórias, estamos sempre produzindo HQs e pensando em novos projetos além daqueles que aparecem no FRONT e álbuns do tipo, e freqüentemente mostramos um pouco do que estamos produzindo no nosso site (http://sites.uol.com.br/10paezinhos/).

Falem mais da exposição. Quem convidou vocês?

É uma exposição organizada pelo Instituto de la Juventud de Madrid. No ano passado, fizeram uma exposição sobre o Quadrinho Argentino e este ano é sobre o Novo Quadrinho Brasileiro. O encarregado pela exposição no Brasil é o Kipper, que escolheu os artistas e está fazendo a intermediação entre nós e os espanhóis.

Quem é e o que define o Novo Quadrinho Brasileiro?

É só um nome para juntar a nova safra de quadrinhos que vem sendo publicada no Brasil. No entanto, é uma reunião bem ampla de artistas, tendo em vista um limbo de produção que assolou o início da década de noventa. Tem gente do país todo, numa faixa bem larga de idades e estilos. Só ficam de fora os clássicos, acho eu.

Já houve algum pedido de publicação de O girassol e a lua ou Meu coração, não sei por que nos Estados Unidos ou na Europa? Vocês fazem alguma divulgação destes trabalhos para mercados estrangeiros? Ou farão somente a partir da exposição na Espanha?

Já faz cinco anos que nós vamos à Convenção de Quadrinhos (ComicCon) de San Diego e sempre levamos nosso material pra mostrar e divulgar. Ainda não tivemos nenhuma oferta concreta de trabalho, mas estamos lutando para produzir nossas próprias historias em outros mercados, alem de trabalhar com outros profissionais.

Logo após a primeira fase do 10 pãezinhos, vocês tiveram uma experiência com o mercado norte-americano trabalhando em ROLAND, com Shane Amaya. Como foi esse lance? Ainda há pedidos de trabalho do estrangeiro?


Roland, days of wrath

O Shane foi muito importante na evolução do nosso trabalho, pois o projeto do ROLAND era grande e elaborado. Ele havia feito muita pesquisa e dedicou muito tempo e esforço às revistas, alavancando o nosso profissionalismo para um novo patamar. É uma ótima história e abriu varias portas, tanto no exterior quanto aqui no Brasil. Temos muito orgulho deste projeto e estamos trabalhando na tradução para, dentro em breve, publicar aqui no Brasil.

Fora os contos na FRONT e algumas contribuições para a Revista da MTV há um ano, vocês têm feito algo mais na área de quadrinhos?

No ano passado participamos do álbum da Fábrica de Quadrinhos e estamos novamente colaborando com o novo álbum que está sendo produzido. Participamos do livro Dez na Área, um na banheira e ninguém no gol, publicado também pela Via Lettera, com uma HQ de 10 páginas chamada A jogada, sobre a magia do futebol brasileiro e do craque. Fizemos uma história de seis páginas para uma exposição sobre o Novo Quadrinho Brasileiro, que acontecerá na Espanha em dezembro deste ano.

Além disso, continuamos fazendo várias histórias e tocando nossos projetos pessoais. Não se pode esperar ter uma revista que publique seu trabalho para só então fazê-lo. É preciso sempre produzir coisas novas. Não se pode ficar parado.

É perceptível no trabalho, e vocês manifestam no site, o apreço pelo uso de cores. Vocês só tiveram oportunidade de colorir algumas histórias curtas. A maior parte ainda é em preto-e-branco. Nenhuma perspectiva de um álbum solo e colorido em breve?

As cores adicionam novas possibilidades gráficas e narrativas, mas uma historia colorida não é necessariamente melhor do que uma preto-e-branco. Assim como todas as técnicas, somente usamos a cor quando ela ACRESCENTA algo à história que esta sendo contada. Se não precisar ser colorida, não será. Se precisar, então pensemos em algo que fique melhor em cores.

Nossos planos de publicações coloridas com a Via Lettera, por enquanto, resumem-se a uma palavra: ROLAND.

Noto uma grande preocupação no trabalho de vocês em explorar as capacidades narrativas dos quadrinhos. Em É tarde para café, na FRONT 9, por exemplo, há todo um transcorrer lento da história evidente na diagramação. É algo que vocês exploram conscientemente e em que buscam se superar? Quais são as referências ou influências em narrativa que utilizam?

Existem varias maneiras de se contar uma história em quadrinhos, vários artifícios para facilitar o modo como o autor coloca as informações na página. Uma delas é a narrativa em terceira pessoa, usada em recordatórios, aqueles retângulos com texto que conta muito mais do que a imagem mostra. É muito usado em histórias policiais, introspectivas, onde há muito pra ser dito sem a necessidade de imagens, pois há muita descrição no texto. O recordatório também é muito usado para mostrar o que certa personagem está pensando, ao invés de usar o balão de pensamento padrão. Nestes dois casos, você tem muita informação que não está na imagem, enche muito mais o leitor de informações para entender sua história. No caso do É tarde para café, nós não queríamos que isso acontecesse, pois tínhamos uma história que se baseava em diálogos e olhares. Então, quando uma personagem está pensando, o quadrinho não tem fala nenhuma e o desenho tem que dar conta do recado.

Falando em influências, é notável em O girassol e a lua como o traço do Moon lembra Mike Mignola e P. Craig Russel. Bá parece preferir um estilo de animação, e o trabalho de luz e sombra lembra Brian Bendis. Quais são os autores que realmente influenciaram o trabalho de vocês?

Aqueles créditos de O girassol e a lua estão invertidos. Então, o que fala que o Bá desenhou, foi o Fábio e vice-versa. Portanto, temos os dois influência de artistas que trabalham com muita luz e sombra, como o Mignola ou o Frank Miller, ou até o Tim Sale e o Jeff Smith. O Fábio tem uma forte influência do Will Eisner e do Terry Moore, dois mestres em desenhar pessoas de verdade, e gosta muito da forma como Neil Gaiman conta suas historias (principalmente em seus livros). Mas, indubitavelmente, uma das maiores influências no nosso trabalho é o Laerte, em todos os aspectos possíveis.


Ilustração da dupla para a revista Recreio

Falem mais sobre a influência do Laerte. Foi ele que definiu esse aspecto de brasilidade (ou paulistanidade) dos quadrinhos nacionais, bastante presente nos trabalhos de vocês?

O Laerte transforma tudo o que vê em história. Ele é o Midas brasileiro dos quadrinhos. E mora em São Paulo. Daí, tudo o que é paulistano vira história do Laerte. O rio Tietê, os viadutos, o trânsito, até o gosto por pizza (e isso não quer dizer que não exista pizza fora de São Paulo, mesmo com todos os cariocas comendo pizza com catchup, mas é que a variedade e a tradição de comer pizza é algo tipicamente paulistano).

A maior influência do Laerte no nosso trabalho é a de trazer o universo que nos rodeia para as nossas histórias. Acontece de sermos também de São Paulo, de termos crescido e morado a vida toda aqui e de termos lido muita história do Laerte quando éramos crianças.

Em Outras palavras (FRONT 10), como em É tarde para café, parece haver um gosto, além do tema da história, pela exploração da cidade e do ambiente urbano. É algo consciente? O que vocês buscam?

Grandes cidades existem em camadas. Camadas arquitetônicas, camadas sociais. São Paulo, como uma das maiores cidades do mundo, só pode ser definida por sua pluralidade, sua complexidade.

Assim como as grandes cidades, também as pessoas existem em camadas, não são sempre apenas superficiais, possuem vários aspectos e características que as compõem no que elas verdadeiramente são.

A complexidade da cidade é sempre uma boa metáfora para se pensar a complexidade do ser humano e, neste aspecto, tentamos usar este elemento urbano de nossas histórias como uma constante busca pelas pessoas, pois, principalmente em uma cidade abarrotada de gente, buscar uma pessoa que te entenda pode ser muito difícil. Muitas pessoas, na cidade, se sentem sozinhas.

Sobre A jogada (Dez na área...): como foi a receptividade da história? E como vocês vêem a receptividade do álbum, no geral? No país do futebol, está surgindo uma nova safra de quadrinhistas, e ela está bem representada ali - por juntar esses dois aspectos, Dez na Área... não deveria ter uma repercussão muito maior?

Estamos muito orgulhosos pela nossa história de futebol, com uma sensação de desafio vencido. Vários desafios, na verdade. Queríamos refletir a grandeza do esporte, a beleza de uma jogada de craque e a poesia inserida no imaginário das pessoas sobre a mágica do futebol brasileiro. Além disso, fazer uma história colorida (e bem colorida) não é tão fácil quanto algumas pessoas pensam. Talvez para o Lelis seja fácil, mas muita cor acaba atrapalhando a história, e pensamos essa história para funcionar com cor. E funcionou.

Agora, não dá para se iludir achando que, só porque é um livro de futebol, vai vender milhões. O tema ajuda, termos vencido a Copa ajuda, mas ainda assim é um livro. De quadrinhos. Colorido. Tudo isso influencia os caminhos por onde esse livro vai passar até chegar aos olhos do leitor. Não espere que o fã de futebol vá até a banca para comprar o pôster da copa por R$2,00 e compre também o livro por trinta e tantos reais.

Espero que o Penta ajude a manter o livro bem à vista nas livrarias, mas daí de comprar o livro fica a cargo dos leitores. Como sempre.