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Entrevista

Omelete entrevista Peter Bagge

Omelete entrevista Peter Bagge

09.10.2001, às 00H00.
Atualizada em 28.11.2016, ÀS 17H02
Ele toma vinho branco no verão e tinto no resto do ano. E tem ouvido bastante Sugarbabes, uma das bandas que sua filha também adora.

Hoje é um pouco difícil pensar nisso, mas Peter Bagge afirma que o astro de Ódio (Hate, no original), Buddy Bradley, é seu alter ego. Ele não idolatra mais bandas obscuras, não esconde a cerveja importada dos amigos, não anda mais com a camisa de flanela fora da calça jeans e – acredite se quiser – casou-se com a sósia de Valerie, a namorada ninfomaníaca.

Bagge está com 43 anos. Vive em Seattle desde os 27. Testemunhou o movimento grunge, mas não participou por opção. “Eu já era um pai casado na época. Já havia passado dos 30, e nunca gostei muito de clubes de rock. Por isso, não posso dizer que fui participante ativo da cena grunge. Eu era amigo de alguns dos principais participantes, mas não passou disso”.

Foi pouco antes do grunge aparecer que ele iniciou Ódio. Mas sua carreira como cartunista já havia começado bem antes.

Funnies, Crumb e “Coisas Legais”

Nascido e criado em subúrbios de Nova Iorque - Dobbs Ferry e depois Peeksville –, Bagge mudou-se para a Big Apple aos 20 anos, para fazer escola de arte. Foi quando decidiu ser cartunista. “Eu adorava a Mad. Também lia outros tipos de quadrinhos, mas não muitos. Nunca gostei muito de super-heróis. Preferia as tirinhas de jornal, especialmente Peanuts”.

Três anos depois, ele publicava seus primeiros cartuns na revista de cultura alternativa East Village Eye. “A Eye e outras revistas ocasionalmente publicavam uma das minhas histórias curtas, mas eu queria fazer quadrinhos mais longos também. E pra isso eu mesmo teria de publicá-los”.

E foi o que ele fez. Ainda em 1980, juntou-se aos amigos John Holmstron e J.D. King, e lançou Comical Funnies, uma revista independente com trabalhos dos três e de outros amigos. “Só durou três edições por causa de desentendimentos sobre que tipo de revista ela deveria ser”, lamenta Bagge.

Em 82, depois da faculdade e de vários empregos – “atendente de livraria, mensageiro, assistente de fotógrafo... nada muito interessante” -, passou a se dedicar inteiramente à prancheta. Foi quando entrou na Weirdo, antologia da editora Last Gasp que republicava material de Robert Crumb ao lado de trabalhos de novos artistas do underground. No ano seguinte, a pedido do próprio Crumb, Bagge assumiu a editoria da revista. Foi nessa época que se mudou para Seattle.

“Eu conheci a arte de Crumb no início dos anos 70, mas só comecei a ler os trabalhos dele e de outros artistas underground quando me mudei para Nova Iorque. Me apaixonei por todos imediatamente”. Apesar disso, o trabalho na Weirdo só durou três anos. “Eu não tinha o tempo necessário para me dedicar a ela”.

A falta de tempo foi decorrente do início do trabalho que o tornaria famoso. “Mostrei à Fantagraphics alguns exemplos do meu trabalho e eles gostaram, então concordaram em publicar”. Foi quando nasceu Neat Stuff (literalmente, “Coisas Legais”), a predecessora de Hate, que definiu o estilo de Bagge e ajudou-o a ganhar vários seguidores.

Neat Stuff trazia tudo que passava pela cabeça do autor. Entre várias personagens e histórias, destacavam-se os Bradley, uma crítica irônica à típica família norte-americana. E quem era o filho do meio da família Bradley&qt;& Buddy.

A Ira Grunge

HateÓdio”) começou em 1990. Buddy Bradley tinha ido morar sozinho em Seattle, e seu cotidiano massacrante era o tema da série. Neat Stuff tinha acabado, mas Bagge manteve seu bom número de leitores fiéis.

A mudança de título também coincidiu com mudanças na Fantagraphics. “A editora começou na Costa Leste no final dos ano 70, e eu a conheci quando ainda morava em Nova Iorque. Eles mudaram-se para Seattle em 89, depois de mim. Quando começaram a publicar Neat Stuff, em 85, tinham só mais uns cinco títulos. Agora têm bem mais”. O autor acabou virando uma das principais estrelas da editora, símbolo dos quadrinhos independentes, assim como Dan Clowes, Chester Brown e outros. “Acho que eles me tratavam do mesmo jeito quando eu comecei e quando me tornei um sucesso. Em outras palavras, eles tratam mal todos os seus artistas!” (risos)

Ódio, como vimos na recente edição da Via Lettera (primeira vez que a série é publicada no Brasil) mostra a vida de “slacker” de Buddy Bradley. “Sim, eu sou Buddy! Bem, gosto de pensar que sou mais feliz e mais produtivo do que ele, mas me identifico com tudo que ele faz e diz”, afirma Bagge. Quanto às outros personagens que compõe a série – os colegas de quarto Leonard e George, a namorada Valerie, a ex Lisa –, o autor prefere ser lacônico: “São todos baseados em várias pessoas que conheci. Mas nenhum deles é baseado SOMENTE em uma pessoa!”

Quanto às histórias, que parecem relatos verídicos misturados à ironia e à imaginação do criador, “são todas baseadas em parte nas minhas experiências, parte em experiências de outros e ainda outra parte totalmente inventada”.

Buddy era sem dúvida um bom representante da “tribo” grunge que nascia em Seattle na época, quando bandas como Nirvana e Pearl Jam começavam a fazer sucesso. “Quando iniciei Hate, o grunge ainda não tinha se tornado um fenômeno. Assim que Seattle ganhou fama por seu cenário musical, isso certamente ajudou a gerar muita atenção da mídia para a revista”. Mas, provando novamente que Bagge tem fãs fiéis, “não houve grande efeito nas vendas, pois elas já eram boas bem antes do fenômeno grunge”.

Em 1993, o cartunista estava no topo. Suas ilustrações apareciam em revistas de entretenimento como Guitar World, Entertainment Weekly, Details e Spin. O CD da banda Tad, também representante do grunge de Seattle, tinha capa sua. E Hate ia muito bem, obrigado.

Em 94, Bagge resolveu abrir espaço para vários amigos cartunistas na sua própria revista, a partir da edição 16. “Eram artistas cujo trabalho eu gostava, e achava que mereciam maior reconhecimento. Eu também queria fazer de Hate uma antologia, como era a Weirdo”. Foi também nesta mesma edição que Hate ganhou cores.

Apesar da idéia, a revista foi encerrada em 1998 depois de 30 edições. “As vendas eram boas e bem estáveis durante todos seus anos. Decidi parar de fazê-la, como série, principalmente para buscar outras oportunidades.” Buddy e sua gangue continuam aparecendo no Hate Annual, cuja primeira edição saiu ano passado.

Bagge, aliás, sempre disse que Hate não ia durar muito. Quando começou, tinha planos de que não passaria da edição 15. Depois de 30, “eu não sabia se terminava ou não terminava. É verdade que eu não queria ficar conhecido apenas como ‘o cara que fazia Hate’, mas o fato é que eu SOU conhecido primariamente por aquilo agora, então não tem sentido em lutar contra isso, certo&qt;&”

Hoje, além do Hate Annual, o artista busca suas outras oportunidades. Desenhou a mini-série Donna’s Day, escrita por Donna Mathes, está sempre fazendo ilustrações para revistas e jornais de grande circulação, e começou a se ligar nos gostos da filha Hannah, hoje com 11 anos. Primeiro participou da antologia Spice Capades, uma sátira das Spice Girls inventada pela Fantagraphics.

Seu trabalho seguinte foi uma colaboração com o amigo Gilbert Hernandez, outro quadrinhista underground que tinha deixado sua criação mais famosa (no caso, Love & Rockets) para buscar novas oportunidades – Yeah!, publicada pela linha Homage da Wildstorm/DC, acompanha a turnê intergaláctica de uma banda de rock composta somente por meninas. O título era escrito por Bagge e desenhado por Hernandez, e direcionava-se ao público feminino infantil, mas acabou não dando certo.

“Um editor da DC me pediu que inventasse algo para ele, e Yeah! foi o resultado. Eu estava muito feliz com a revista, mas infelizmente vendeu muito pouco. Poucas garotas lêem quadrinhos, e muitos dos fãs adultos, meus e de Gilbert, odiaram!” Yeah! acabou na edição 9, ano passado.

Agora, seu projeto mais estranho, mas que parece cair como uma luva, é uma história para Spider-Man: Tangled Web, nova revista do Homem-Aranha que traz colaborações de vários artistas. O trabalho deve sair em 2002. “Peter Parker lembra bastante a mim mesmo na história que estou escrevendo com ele!” Vai ser estranho ver Peter (Parker, não o Bagge) de camiseta de flanela para fora da calça jeans...