É difícil definir Palestina: uma nação ocupada, escrito e desenhada pelo jornalista Joe Sacco. O tema sério e os dados precisos colhidos pelo autor nos dois meses que passou na região fazem crer que este é um livro sobre a guerra entre os árabes e judeus. Porém, a narrativa é quase toda feita em desenhos em quadrinhos. Então este álbum é "apenas" mais uma HQ&qt;& Na verdade, as duas formas literárias se fundiram com a maestria do nanquim de Sacco e fazem desta mais uma belíssima obra lançada pela Conrad Editora, reponsável também pela edição brasileira de Gen: Pés descalços (leia matéria aqui).
O livro foi originalmente lançado nos Estados Unidos em janeiro de 1993, mas sua história se mantém atualizadíssima. Palestinos e judeus continuam se enfrentando na terra sagrada. A última intifada (revolta popular palestina) já matou quase 400 pessoas entre árabes e israelenses e as negociações pela paz caminham num ritmo muito lento e desanimador. Pelos depoimentos mostrados pelo jornalista, o ocidente vê o que ninguém mostrou antes: os árabes podem não ser santos, tampouco são os judeus.
A ida de Sacco à Palestina já tinha como fim a produção desta obra. O livro funciona como um diário e os seus desenhos seriam as fotos tiradas nesta viagem ao inferno chamado Israel. Nas 141 páginas da história, ele conta ao leitor tudo o que acontece em sua vida. Sempre usando uma linguagem bem coloquial, Sacco deixa os textos muito fáceis e gostosos de se ler. Há páginas em que o autor prefere deixar as palavras em primeiro plano, rabiscando parágrafos e mais parágrafos e utilizando poucas ilustrações.
As sessões de tortura e as prisões judaicas, em especial a famosa e gigantesca Ansar, merecem um capítulo a parte. Entre os inúmeros copos de chá que teve que tomar, Joe conversou com pessoas que foram presas sem saber do que estavam sendo acusadas. Muitos nem mesmo tinham cometido cometido crime algum. É mostrado ainda que todo este abuso por parte dos judeus tinha apoio legal, fazendo os árabes sofrerem sem ter a quem recorrer.
Como manda o manual do bom jornalista investigativo, Sacco vai a campo o tempo todo. No começo do livro, ele se contenta em colher depoimentos e tirar fotos do martírio diário vivido pelos palestinos e judeus. Já no último capítulo, ele se vê no meio de um levante popular contra as tropas judaicas e seu toque de recolher. Tudo em nome de uma boa matéria, ou, como ele mesmo diz "É bom para o gibi".
Esta não foi a primeira vez que Joe Sacco trabalhou com a arte seqüencial. Quando era criança, publicou uma série de humor com um amigo, mas não pensou que pudesse um dia viver disso. Queimou a língua. Sacco se mudou para Los Angeles em 1986 e se tornou um dos editores da Fantagraphics (a mesma empresa que publicou os primeiros números de Usagi Yojimbo). De 1988 a 1992, Joe foi viajar pelo mundo. Voltou a Malta, sua terra natal, morou em Berlim fazendo panfletos e pôsteres para bandas locais e até acompanhou um grupo de Rock em uma excursão.
No fim de 1991, Sacco foi para Israel, onde recolheu o material para escrever Palestina: uma nação ocupada. O livro é reconhecido como a grande obra documentária feita em quadrinhos desde o premiadíssimo Maus, de Art Spiegelman. Palestina ganhou o troféu Harvey Awards como melhor nova série e recolheu elogios de várias publicações fora da área de quadrinhos e, é claro, dos que trabalham no meio. "Sacco relata a vida nos territórios ocupados com sensibilidade, perspicácia e um faro apurado para as ambiguidades morais. Altamente recomendado", disse Alan Moore, escritor de Watchmen.
Após Palestina, Sacco fez Natal com Karadzic (uma história curta publicada no Brasil na coletânea Comic Book: O novo quadrinho norte-americano) e Soba (inédito por aqui), contando suas viagens à Bósnia em 1995 e 1996. Em junho de 2000 foi lançada Safe Area: Gorazde - The War in Eastern Boznia 1992-1995, outra aclamada obra do jornalista que nós esperamos ver publicada em terra brasilis.
O trabalho de Joe Sacco se destaca entre os quadrinhos produzidos na atualidade. Além de fugir do tradicional "corpos perfeitos" dos super-heróis e "planos maquiavélicos para conquistar o mundo" dos vilões, o jornalista usa o superpoder desta mídia para atrair não-leitores habituais de quadrinhos e ainda mostrar a todos a realidade em que vivemos, ou, no caso, em que vivem os palestinos, árabes e tantos outros povos que sofrem com seus governantes e suas crenças.
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