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Séries e TV

Entrevista

Atores interpretam Silvio Santos e desvendam Senor Abravanel em O Rei da TV

Como José Rubens Chachá, Mariano Mattos Martins e Guilherme Reis viraram o Homem do Baú

21.10.2022, às 13H06.
Atualizada em 05.11.2022, ÀS 10H39

"Ele está na minha casa, está nos nossos domingos, desde que eu me conheço por gente. Então, foi um susto e, ao mesmo tempo, um presente, poder fazer o Silvio Santos — uma figura por quem eu tinha tanta admiração e tantas críticas". Quem diz isso ao Omelete é o ator José Rubens Chachá, de 68 anos. Veterano dos palcos e das telas brasileiras, é dele a responsabilidade de receber e apresentar o público de O Rei da TV a um mergulho artístico na vida do célebre apresentador e empresário, dono do SBT e de uma fortuna de mais de R$ 7 bilhões.

A série biográfica não autorizada, produzida pela Gullane Entretenimento e disponível no catálogo do Star+ desde 19 de outubro, parte do episódio histórico da perda da voz de Silvio, nos anos 1980, para recontar como o jovem judeu paulistano Senor Abravanel construiu, encarnou e sustentou por mais de 60 anos o mais célebre personagem da TV brasileira — que aparece consolidado, justamente, na atuação de Chachá. De quebra, o texto assinado por Mikael de Albuquerque com colaboração de André Barcinski, Ricardo Grynszpan, Henrique Melhado e Marcela Macedo, ainda constrói um panorama histórico da cultura popular nacional, incluindo episódios com figuras como Gugu Liberato (Paulo Nigro) e Manoel de Nóbrega (Cacá Carvalho). "Eu acho bacana que os autores escolheram esse momento trágico da vida dele, da perda da voz, porque é esse momento em que se humaniza o personagem que é tão mitológico na história da televisão", afirma.

A missão de encarnar Silvio e desvendar Senor não é exclusiva do veterano. Fazendo as vezes do ícone televisivo em sua infância e juventude, trabalham com igual esmero os atores Guilherme Reis, de pouco mais de 20 anos, e Mariano Mattos Martins, de 38 anos. O primeiro, recria o ingresso de Senor no mundo da venda ambulante em São Paulo, aos 14 anos. É quando, ainda sem nome de palco, a persona cativante e comunicativa que será conhecida como Silvio Santos começa a ser formada — com o garoto lançando mão até de atos moralmente questionáveis para conquistar essa ascensão. "É um lugar hostil, de muita competição, onde a esperteza dele o faz subir na vida", destaca Reis. "Então, às vezes ele precisa passar a perna em alguém, mas existe toda uma justificativa dentro daquele contexto, para ele fazer essa escolha".

Já o segundo, Martins, assume o microfone, a brilhantina nos cabelos e a voz sedutora no período entre os 28 e 45 anos de Silvio, indo do sucesso no rádio ao ingresso e à consolidação como figura célebre da televisão. O estudo moral da persona de Silvio, bem como seu impacto em Senor, se aprofunda nesse período; há pedaladas comerciais, racismo, machismo e outras polêmicas. Tudo, entretanto, selecionado para reforçar a temática da dualidade e expandir o processo de humanização que a série promove em relação ao mito televisivo do apresentador. "Silvio Santos é uma caricatura da qual ele se vale para enlaçar o público, ou para convencer as pessoas de uma ideia que ele tem, para fazer uma negociação", define o ator. "Como todos os seres humanos, ele tem diversas contradições, e [retratar isso na série] não é sobre concordar ou não, vai muito além disso".

Busca da voz, fuga da imitação

Não é à toa que a chave encontrada para abrir a intimidade de Silvio Santos seja, em O Rei da TV, sua voz. Reconhecida e imitada em todo o Brasil, além de cheia de maneirismos memoráveis, a fala do apresentador é icônica. Para três atores vivendo o personagem em momentos muito distintos, capturar essa essência deu origem a três processos ainda mais diferentes entre si — mas igualmente fascinantes. "Eu fiquei muito confuso no início ao perceber que o Silvio que eu ia interpretar era ele com 14 anos, e eu com 19 e sem nenhum registro de imagem, vídeo ou áudio dele", relembra Reis. "Então, foi difícil encontrar uma voz que se encaixasse para essa época e que fizesse sentido, na medida de encantar as pessoas com quem ele se relaciona, como camelô".

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Guilherme Reis como o jovem Silvio Santos em O Rei da TV

"Em todo momento, desde o início, eu entendi que se eu tentasse imitar, tentasse igualar, eu ia perder essa batalha. Porque é uma batalha construir um personagem com essa grandeza", aponta Martins. "Então, o tempo inteiro, a pesquisa e o trabalho de preparação vocal, com fonoaudióloga e também assistindo a todos os vídeos possíveis e imagináveis do Silvio, foi exatamente de encontrar dentro de mim como aquela voz iria se expressar". Segundo o ator, seu principal alvo era construir, a partir da fala do personagem, uma "escalada de uma trajetória em que ele mesmo vai descobrir essa voz", destacando a transição "daquele Silvio que vem da rua, passa pelo rádio, chega à televisão".

Ele mesmo dono de uma voz memorável da TV brasileira, seja em novelas ou peças publicitárias, Chachá foi quem pôde incorporar um número maior de trejeitos e bordões do Silvio Santos das últimas três décadas. Segundo ele, entretanto, isso não foi desafio. "O mais difícil foi encontrar a voz do Senor Abravanel", define o ator. "A gente teve acesso a momentos dele fora de cena, e a gente nota que ele não tem a mesma impostação na voz, não tem a mesma grandiosidade na voz, então isso foi mais desafiador; fazê-lo com resquícios da voz conhecida pelo grande público, mas ao mesmo tempo ser uma voz mais humana".

Por falar em bordões, o trio ainda elege seus favoritos. Para Chachá, o clássico "vamos abrir as Portas da Esperança", que Silvio entoava para convidados em um de seus jogos no Programa Silvio Santos, é insuperável. Já Martins ficou com o mais obscuro "ai, ai, ai, ui, ui", comentando: "Ele tinha esse lugar de cantor, e tem muitos bordões que se perderam ao longo do tempo, e tem esse, que era fantástico". E, mais jovem, Reis joga seguro e opta por uma unanimidade. "Eu acho que vou de 'Ma Oe', que é como as pessoas hoje me cumprimentam quando sabem que eu fiz o Silvio", diz.

Com admiração, mas sem chapa branca

O trio também celebra o equilíbrio narrativo da série em apontar dedos para falhas de Senor, como Silvio ou em sua intimidade familiar, sem deixar de reverenciar o trabalho icônico dele no entretenimento brasileiro. "Eu joguei fora qualquer tipo de crítica que eu tinha a ele, porque se não eu não ia conseguir abraçar o personagem", detalha Chachá. "Ele é uma dicotomia ambulante; um cara cheio de contradições. Que, ao mesmo tempo que tem aquela simpatia, também é um chefe de conglomerado que age de uma maneira fria, às vezes até sórdida, mas tudo isso eu tive de compreender e fazer de uma forma que eu não me afastasse do entendimento que as pessoas poderiam ter".

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Mariano Mattos Martins em O Rei da TV

Sobre Silvio, Mariano observa: "Ele está sempre sorrindo para as câmeras, logo humanizar, trazer para o chão essa figura, foi o grande desafio da série. A gente nunca imagina o Silvio Santos em silêncio. E de repente na série você vai encontrar momentos de solidão", diz o ator. A respeito dos deslizes éticos do personagem, ressaltados na série, Reis detalha seu processo de compreensão para encarná-los com veracidade: "[Na realidade em que ele vivia], ele precisava fazer aquilo acontecer, então precisava fazer o que precisava fazer".

Produzida pelo Star+, a primeira temporada de O Rei da TV conta com oito episódios, cobrindo a vida de Silvio Santos da década de 1940 ao início dos anos 1990. A série tem direção-geral de Marcus Baldini (Bruna Surfistinha), trabalhando ao lado de Carol Minêm (Macho Macho Man) e Julia Jordão (O Negócio), e traz em seu elenco outros nomes conhecidos, como Leona Cavalli, Leandro Ramos, Larissa Nunes, Gui Santana, André Abujamra e Ary França.