Há uma piada recorrente em A Família Soprano, a imitação de Silvio Dante (Steve Van Zandt) de Al Pacino em O Poderoso Chefão 3: "Todas as vezes que acho que estou fora, eles me puxam pra dentro".
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Na última temporada da série, o criador David Chase não deixa de ter vivido a piada. Menina dos olhos da HBO, A Família Soprano chegou naquele difícil momento em que a história simplesmente precisa acabar - e esse era o desejo de Chase. Mas a emissora simplesmente não queria perder seu sucesso de público e crítica. Foram meses de negociação até que chegou-se ao formato da temporada final, a sexta, 21 episódios divididos em duas partes - algo bastante distinto dos 13 episódios habituais.
Chase cedeu, mas deu uma divertida e sutil alfinetada na HBO. Colocou na história uma trama paralela, em que um soldado de Tony Soprano (James Gandolfini) ganha uma herança e pede para deixar a organização, para mudar-se com a família para a Flórida. "Você fez uma juramento, ninguém se aposenta disso", irrita-se Tony.
"Todas as vezes que acho que estou fora, eles me puxam pra dentro"... e pra não deixar dúvidas, até um dos personagens novos partilha o mesmo nome de um dos executivos da rede de TV.
Mas Chase, enfim, deixou sua criação, numa das melhores temporadas de uma série que beirou o irretocável. Foram 86 episódios que acompanharam o dia-a-dia de um chefão do crime organizado.
Conhecemos Tony Soprano quando ele estava prestes a assumir o cargo de "capo" de Nova Jersey, e começava suas visitas semanais ao consultório da doutora Melfi (Lorraine Bracco), psiquiatra, depois de um ataque de pânico. Ao longo das seis temporadas, dividimos com ele a responsabilidade do gerenciamento das suas famílias, a de sangue e a de pólvora, mas sempre lembrados por Chase de que esse sujeito não é assim um cara tão legal. Aprecia boa comida, bons vinhos, curte os luxos da vida, cuida da família, ama seus amigos (ou quase isso), encontra tempo para boiar na piscina... mas frequentemente está banhado em sangue e envolvido em algum ato de violência que nos causa ojeriza.
Tony não é diferente de um desses políticos criminosos que estampam diariamente as páginas dos nossos jornais, mas torcemos fervorosamente por ele. Ao fazê-lo tão comum, com gostos tão próximos aos nossos, Chase e Gandolfini - que moldou o personagem brilhantemente ao longo dos seis anos - fazem com que consigamos nos relacionar com Tony através de seus medos. A Família Soprano é, essencialmente, sobre medos. Medo de ficar sozinho, de perder posses, de perder a saúde, a liberdade, ou a vida. Como não sofrer com ele?
Mas a Família, claro, não se restringe ao patriarca. Carmela, A.J., Meadow, Junior, Christopher... todos personagens perfeitamente delineados, que vimos crescer, algo que só é possível através da exploração do potencial desse fantástico formato das séries televisivas. Aliás, a estrutura seriada também permite uma colaboração geralmente mal vista no cinema. Enquanto nas telonas a figura do diretor é exaltada como mente criativa que deveria deter um domínio autoral completo de sua obra, nas telinhas o criador - e geralmente produtor - conta com reforços semanalmente. Não raro, integrantes do elenco colaboram na direção ou roteiros (como é o caso em Família Soprano de Michael Imperioli ou Steve Buscemi), com resultados fantásticos.
O último episódio da série (não se preocupe, não vamos revelar segredos aqui) encerrou o programa com polêmica. O público dos Estados Unidos não está acostumado a finais abertos, passíveis de interpretação, mas creio que foi um dos melhores momentos de toda a série - e síntese do tema de insegurança que durou seis temporadas. A cena final, silenciosa, contrasta com o uso maciço de boa música de toda a história da Família, mas deixa no ar a certeza de que a televisão entra agora em um período de luto. Vai demorar muito para que outra série como essa apareça.
E o aroma de ziti assado que ela deixava no ar jamais será igualado.