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À espera de um reboot, Battlestar Galactica é um marco na história da TV

Série estrelada por Katee Sackhoff, que participa da CCXP Worlds, mudou a forma como se fazia óperas espaciais

02.12.2020, às 09H00.
Atualizada em 05.12.2020, ÀS 16H41

Os nomes pesam: as mais recentes versões de Star Trek e Star Wars têm desfilado por aí em produções televisivas de alto orçamento, sabor "peak TV", e é tentador vê-las como a última bolacha do pacote em termos de ópera espacial. Mas não há como negar a influência profunda, que reverbera até mesmo nessas produções atuais, trazida por Battlestar Galactica.

Não a original, de 1978. Aquela, criada por Glen A. Larson, já tinha alguns dos elementos que tornariam a franquia eventualmente tão poderosa, mas ainda era mais um produto na esteira do primeiro filme de Star Wars, que de repente tornou a ficção espacial grande de novo, após praticamente uma década na geladeira.

Como algo que veio a reboque, nunca foi muito longe. Ganhou o status de cult, ameaçou ter uma sobrevida para além da produção original, mas o histórico, convenhamos, nunca inspirou o rótulo de grande sucesso: uma única temporada (1978-79) e depois uma continuação, Galactica 1980, que durou apenas dez episódios.

Parecia algo destinado às brumas do esquecimento – mas não por falta de uma premissa fascinante, que por sinal se manteve em todas as versões posteriores. Era uma mistura peculiar de religião e ficção científica que retratava a saga de um grupo de sobreviventes das Doze Colônias, numa diáspora pelo espaço após uma guerra contra uma raça cibernética conhecida como os cylons (ou cilônios), em busca de um planeta mitológico onde pudessem se assentar: a Terra. Lá teria se instalado uma mítica décima terceira tribo de Kobol, planeta de origem de todos os humanos, segundo a história. Perseguidos pelos cylons e traídos por um dos seus, Baltar, os sobreviventes rumariam ao espaço sob a liderança do comandante Adama, comandante da nave Battlestar Galactica. Larson, por sinal, era mórmon e emprestou vários elementos de sua crença à saga, dando os contornos a essa história dramática de sofrimento, superação e fé.

De algum modo, contudo, a versão original nunca conseguiu alcançar público suficiente para permanecer na crista da onda. Isso até 2002, quando, após anos de vai-não-vai, o antigo Sci-Fi Channel (hoje Syfy) resolveu encomendar uma minissérie em dois capítulos, totalizando três horas – e desta vez recomeçando a coisa toda, sem levar em conta os eventos apresentados nas produções originais. Claro que os fãs chiaram. E claro que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido à franquia.

Sob a batuta criativa de Ronald D. Moore (que trazia consigo um bocado de experimentação televisiva feita em Star Trek: Deep Space Nine, até hoje a mais “rebelde” de todas as séries daquela saga) e David Eick, a “nova” Galactica pegou a premissa clássica e a moldou como um dos programas mais seminais da história da TV. É esta versão de Battlestar Galactica que terá um painel dedicado a ela durante a CCXP Worlds, primeira edição totalmente digital do evento, que acontece de 4 a 6 de dezembro.

Relevância e representatividade

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Uma das mudanças mais marcantes na nova versão é que os cylons não eram mais simplesmente “vilões do espaço”, mas uma criação da própria humanidade, escravizada até se voltar contra seus criadores. Isso, por si só, evocaria reflexões fascinantes ao longo da série, a começar pelo discurso do “novo” Adama, interpretado por Edward James Olmos, na minissérie: “Chega o dia em que não podemos mais nos esconder das coisas que fizemos.” Seria um trampolim fascinante para investigar e comentar, de forma psicologicamente segura, todos os eventos que cercaram o traumatizante 11 de setembro de 2001, ainda na mente do mundo inteiro.

Outra decisão fundamental seria a de reescalar os personagens originais sem replicar o “desfile de machos” que uma série de aventura espacial normalmente costumava ser no passado. Então Starbuck, que no original era um piloto fantástico de caça Viper, na nova versão continuaria a ser esse piloto fantástico, mas agora como mulher. Para viver a personagem “refundada”, a equipe escolheu a multitalentosa (mas então apenas uma revelação) Katee Sackhoff.

“Eu não conhecia de verdade o Galactica original. Nasci logo depois que ele saiu do ar, e não era uma série a que meu pai assistia. Ele geralmente escolhia os filmes e séries que víamos quando crianças. Então eu não conhecia”, conta a atriz, convidada da CCXP Worlds, ao Omelete. “Então, quando Starbuck virou mulher, comentei com meu pai que tinha ganhado o papel, e ele disse, ‘oh não, querida, acho que você precisa ver o original, isso é maluquice’.”

Não era, mas para muitos, especialmente os mais apegados ao original, pareceu assim. Mas foi o início de uma tradição importante de afirmação feminina e abriu caminho para hoje discutirmos, por exemplo, um filme protagonizado por uma equipe de Caça-Fantasmas mulheres (já produzido) ou uma versão feminina do 007 (neste momento em discussão).

“À época, não entendi, em primeiro lugar, porque as pessoas ficariam chateadas com isso. E também não entendi o que isso significaria para o gênero e seu avanço”, diz Sackhoff. “Acho que foi uma daquelas situações em que tive a bênção da ignorância da juventude a meu favor. E, para mim, era só ir trabalhar e me divertir. Não pensei tanto nisso. Acho que hoje seria muito diferente se recebesse a mesma oportunidade. Na época, eu me preocupei em me divertir e interpretar a personagem da melhor forma que podia. Mas ela com certeza, e aquele seriado em geral, realmente teve importância em fazer o gênero avançar”.

A minissérie foi ao ar em 2003 e se tornou um hit instantâneo. Logo o Sci-Fi decidiu contratar uma série baseada nela, que durou quatro temporadas. E aí o legado só cresceu.

Nova estética e narrativa

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Galactica de Eick e Moore era um animal muito diferente do que costumava ser uma série de televisão daquela era. Quando a minissérie foi ao ar, ainda não existia, por exemplo, Lost, a série de J.J. Abrams que tomou de assalto as telinhas com serialização pesada e tramas complicadas. Até então, simplesmente não se fazia TV assim. Galactica foi a primeira ópera espacial a realmente fazer de grandes arcos ao longo de múltiplos episódios sua marca registrada. Por isso, mesmo hoje, a série ainda parece absolutamente moderna.

O programa também tentou trazer uma camada extra de realidade, abandonando uma estética “futurista” em favor de algo muito mais próximo de nossa época. Por conveniência de roteiro (evitar que os cylons “hackeassem” os sistemas de bordo), a Galactica era totalmente analógica, com telefones e painéis de luzes piscantes. Era muito mais a imagem de um porta-aviões contemporâneo do que a de uma reluzente espaçonave futurista. Os Vipers eram caças, muito mais que x-wings. E por aí vai.

Uma das vantagens era estar na TV a cabo, onde, naquela época, o escrutínio público não era tão grande. “E acho que isso foi benéfico àquela altura, porque não tínhamos redes sociais, não ficamos sob tanto escrutínio da mídia, e Ron Moore conseguiu fazer a série que queria fazer”, diz Sackhoff. “E acho que isso explica por que ela ainda faz sucesso. Por que ele conseguiu fazer algo tão lindo, sem muitos metendo a mão na panela”.

Claro, se era uma vantagem não estar sob a pressão de executivos da TV aberta, o outro lado da moeda era literalmente a falta de moeda: orçamentos mais limitantes. Mas os produtores fizeram desses poucos limões uma fantástica limonada, fazendo escolhas estéticas que influenciariam o gênero para sempre. Por exemplo: para “disfarçar” deficiências com os efeitos visuais das naves, a série adotou um estilo de filmagem “documental”, com uma câmera tremida, emulando handy-cam, e zooms aparentemente descontrolados e descalibrados, como que tentando com dificuldade capturar ações reais de espaçonaves. Acabou sendo mais uma camada de realidade impressa sobre o teor “sci-fi”, tornando a série palatável para um público mais “pé no chão”. E, de repente, todo mundo começou a fazer tomadas assim em outras séries.

O futuro

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Não há o que consertar na Battlestar Galactica de 2003. A série regular durou quatro temporadas e gerou mais três telefilmes (RazorThe Plan e Blood & Chrome) e uma série de prólogo (Caprica). Desde 2019, discute-se a retomada da franquia, com uma série que está em pré-produção para estreia no Peacock, serviço de streaming da NBCUniversal. Ainda não tem premissa, elenco ou data de estreia, e a pandemia não ajudou a fazer as coisas avançarem depressa, mas o senso de responsabilidade é enorme: não será fácil reprisar em 2021 o sucesso atingido em 2003.

Felizmente, ainda podemos rever os clássicos enquanto esperamos a novidade, além de conferir o painel com Katee Sackhoff na CCXP Worlds. So say we all!

CCXP Worlds: A Journey of Hope, primeira edição 100% digital do maior evento de cultura pop do mundo, acontece entre os dias 4 e 6 de dezembro de 2020. Os ingressos estão à venda no site www.ccxp.com.br.