Quando Cidade de Deus foi lançado, em 2002, ele revolucionou o cinema nacional, o gênero “favela movie” e rapidamente se tornou um elemento fixo na memória dos brasileiros. Mesmo 20 anos após sua estreia, o longa segue presente no imaginário brasileiro, sendo reconhecido mesmo por quem nasceu depois de 2002.
Esse impacto cultural, alinhado com um desejo coletivo de mea-culpa dos envolvidos, tornou possível a produção de uma série revival. Ambientada na mesma periferia, Cidade de Deus: A Luta Não Para mostrará o que mudou nos 20 anos após a morte de Zé Pequeno, personagem de Leandro Firmino.
Liderada pela Max e a produtora 02 Filmes, a série conta com os retornos de Alexandre Rodrigues como Wilson/Buscapé, Edson Oliveira como Barbantinho e Sabrina Rosa como a Cinthia, ex-namorada do Mané Galinha (Seu Jorge). Quem embarca agora na produção é o veterano Marcos Palmeira, que viverá o chefe do crime organizado na Cidade de Deus. A convite da Max, o Omelete visitou o set de filmagens da série na Zona Sul de São Paulo e conversou com os atores sobre as mudanças entre uma produção e outra.
Para Sabrina, “foi um presente [retornar a personagem], porque Cidade de Deus foi um marco na minha vida como atriz”. Ele lembra que “era jovem pra caramba, foi um momento muito importante que alavancou minha carreira como atriz e trouxe um holofote não só para mim, mas para o [projeto social] Nós do Morro, que já tinha 15 anos, na época”.
Já o astro e narrador do filme, Alexandre Rodrigues, não consegue descrever quão grande foi o impacto do filme na vida dele. “Foi uma coisa grandiosa para mim e para todos os profissionais envolvidos”, diz ele, com um sorriso. “Eu consegui estabelecer uma carreira, porque até então já estava fazendo uma coisinha ou outra, mas nada profissional. E na vida pessoal, cara, tudo mudou”.
Mas como alcançar o mesmo patamar do filme? Na realidade, a ideia é aceitar que a proposta aqui é outra. Enquanto no filme Cidade de Deus víamos um relato de dor da comunidade e o domínio violento e sem limites dos traficantes, a série vai trazer um novo olhar para esse universo. O foco agora não será os criminosos e policiais armados, mas os projetos sociais que transformam a vida dessa comunidade.
Segundo Rodrigues, a série da Max vai trazer “pontos de vistas diferenciados em todos os sentidos. Agora mostramos a potência da favela e não a parte ruim”. Ele continua, assumindo que o olhar negativo do longa-metragem não o agradou. “Achei que a gente ficou devendo mesmo [no lado social]. De fato, quando eu assisti ao filme, fiquei um pouco triste, porque não é só aquilo que acontece dentro das favelas”, revela.
Edson Oliveira, que voltará a interpretar o amigo de Buscapé, acrescenta que “não tem como fazer essa série se não tiver esse processo de revisitar o que a gente fez lá atrás”. Para ele, o que muda da série para o filme é o mergulho na vida dos personagens. “Diferentemente do filme, que fica mais ligado nos conflitos de facções, essa série tem um diferencial de mergulhar na vida pessoal. Acho que as pessoas vão se identificar muito com esses personagens, inclusive com o Barbantinho”, afirma.
A atriz de Cinthia, que comandará o centro comunitário da favela, completa dizendo que “é muito bom que a série esteja entrando nas casas das famílias, que é a maioria em uma comunidade”. Segundo ela, “a violência e a crueldade, são minoria, e a maioria [os moradores] fica refém daquele pouco”. “A série está mostrando como é a família nisso tudo. O que que ela faz, como ela reage. Acho que essa grande diferença traz um pouco do afeto e humaniza esse lugar”, completa.
Mas o que muda nos personagens?
Como vemos na produção de 2002, Cinthia foi violentada sexualmente pelo traficante Zé Pequeno, o que iniciou a guerra entre ele e Mané Galinha. Após o abuso, a personagem de Sabrina foi deixada de lado, sem que soubéssemos o que aconteceu com ela depois. Segundo a atriz, “Cinthia pegou essa dor e focou na esperança, tanto que ela tem um Centro Comunitário, ela ajuda as crianças”. Ela explica que sua personagem “tem um projeto lindo de música. Ela não quer isso se repita”.
Já a dupla de amigos Buscapé e Barbantinho terminou o filme com um final mais positivo, com a comunidade longe das garras do finado Zé Pequeno. Segundo Rodrigues, seu personagem retorna mais experiente. “Quando a gente viu um Buscapé novinho, ele ainda estava aprendendo”, diz ele, que retorna com o personagem sendo um fotógrafo premiado. “Passamos aquela cena [do filme] que gravamos no jornal, ele não sabia o que que era uma ampliação [de foto] e hoje ele faz tudo, inclusive no laboratório”.
Barbantinho, por sua vez, retorna com mais participação. Enquanto no filme ele ficou à sombra de Buscapé, agora ele terá sua própria história. “Nessa série eles continuaram sendo grandes amigos, só que o Buscapé se distanciou da comunidade para seguir a carreira de fotógrafo e o Barbantinho permaneceu lá”, explica. Além disso, o personagem é motivado por uma tragédia familiar. “Ele perdeu a família e a partir desse momento se doou 100% à comunidade. Hoje ele é um líder comunitário e é presidente de associação. Ele é técnico de futebol da galera, arma os campeonatos e está tentando se eleger como vereador”.
Com direção de Aly Muritiba (Cangaço Novo), Cidade de Deus: A Luta Não Para também conta com Edson Oliveira, Thiago Martins, Marcos Palmeira e Andréia Horta no elenco. A série tem estreia marcada para agosto, pela Max.