Divulgação

Séries e TV

Crítica

1899 sacrifica personagens, mas cativa com mistério viciante

Produção dos criadores de Dark seduz com seus segredos

19.11.2022, às 18H24.
Atualizada em 21.11.2022, ÀS 09H35

Comparações têm, invariavelmente, um quê de injustiça; às vezes, no entanto, elas são inevitáveis: não há como falar de 1899 sem falar de Dark, trabalho que alçou à fama seus criadores, Baran Bo Odar e Jantje Friese, e se tornou um dos maiores sucessos em língua não-inglesa na história da Netflix.

Dark seduziu o público ao redor do mundo com uma intrincada trama de viagens no tempo, parentescos complicados e camadas sob camadas de mistérios. Um elemento subestimado, porém, foi essencial para seu sucesso: a fundação sólida de seus personagens. A cidadezinha de Winden, afinal, era não só o pano de fundo para acontecimentos estranhos e trágicos, mas também lar de figuras multifacetadas e complexas, envolvidas em uma teia permeada por relacionamentos falidos e famílias disfuncionais. Era o envolvimento do espectador com os dramas dos personagens que ancorava a série em meio aos segredos da trama e colocava em perspectiva o que estava em jogo.

Tal elemento é por vezes escanteado em 1899, em favor das grandes ambições da história, que agora se passa em um grande navio, o Kerberos, que leva mais de mil passageiros, de diversas nacionalidades, rumo às promessas de uma vida melhor na América. Conforme o capitão Eyk (Andreas Pietschmann, o Jonas adulto de Dark) e sua equipe mudam de rota para atender ao chamado do Prometheus, um navio há meses desaparecido, mistérios começam a se acumular, e as tensões se acirram dentro da embarcação, deixando pouco espaço para a construção das individualidades de seus personagens.

Em uma estrutura que remete a Lost (2004-2010), Odar e Friese aos poucos nos apresentam aos passados de algumas de suas figuras centrais, como a médica Maura (Emily Beecham), a jovem chinesa Ling Yi (Isabella Wei), o francês Lucien (Jonas Bloquet), e uma família dinamarquesa ultra-religiosa. Não é o suficiente, no entanto, para sair da superfície: o que aprendemos é que, em comum, todas essas pessoas têm vidas recheadas de trauma e luto, o que explica suas respostas à escalada de tensões no navio, mas não muito mais do que isso.

A boa notícia é que o mistério da série é envolvente e instigante o bastante para manter o espectador interessado até o final da temporada. Pistas e símbolos são distribuídos habilmente ao longo dos oito episódios, preparando o terreno para revelações e reviravoltas recompensadoras, mas que colocam ainda mais dúvidas na cabeça de quem está assistindo. É uma estrutura viciante, que os criadores de 1899 parecem ter aperfeiçoado com a experiência de Dark.

A nova empreitada também se destaca com os visuais impressionantes – sem dúvidas, fruto de um bem-vindo aumento de orçamento após o sucesso da série anterior. Os cenários de 1899 são ricos e bem elaborados, e a equipe da produção consegue usar os efeitos visuais a seu favor, especialmente nas complicadas sequências em mar aberto. Ponto, aqui, também para a direção segura de Odar, que comanda toda a temporada. 

Ao fim do primeiro ano da 1899, a vontade de ver o que mais Odar e Friese guardam para o futuro é inegável; as pontas deixadas pela série, porém, apontam para a necessidade, agora inadiável, de revisitar com profundidade os personagens que ficaram pelo caminho. Conciliar esse aspecto com os mistérios, de forma equilibrada, será vital para a condução de uma (muito provável) segunda temporada – e já sabemos que seus criadores são mais do que capazes disso.

Nota do Crítico
Ótimo