Song Ha-yoon e Park Min-young em cena de A Esposa do Meu Marido (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

A Esposa do Meu Marido é novelão sci-fi genial sobre relacionamentos abusivos

Insight, fofoca, uma vilã antológica e um romance pelo qual torcer - a série tem tudo

20.02.2024, às 16H48.
Atualizada em 12.03.2024, ÀS 23H37

Se o ingrediente fundamental para uma novela vencedora é uma boa vilã, A Esposa do Meu Marido ganhou o jogo quando escalou Song Ha-yoon para interpretar Jeong Su-min, a melhor amiga manipulativa e egocêntrica da protagonista Ji-won (Park Min-young). No começo da série sul-coreana que virou fenômeno de audiência no Prime Video, uma Ji-won nos estágios finais de um câncer vai para casa e encontra o marido, Min-hwan (Lee Yi-kyeong), na cama com Su-min. Quando ela os confronta, os dois se tornam agressivos e Min-hwan mata a esposa ao empurrá-la e fazê-la cair de cabeça na quina da mesinha de centro da sala de estar do apartamento.

Acontece que, por algum motivo místico, Ji-won não morre de verdade - ao invés disso, ela abre os olhos e descobre que está de volta a 2013, exatamente dez anos antes do dia do seu assassinato. O restante dos dezesseis episódios de A Esposa do Meu Marido mostram a protagonista aproveitando essa segunda chance para mudar o curso do destino, tramando contra o (ainda) namorado Min-hwan e a melhor amiga enquanto descobre as novas possibilidades de amizade e romance que se abrem uma vez que ela olha para além dos relacionamentos tóxicos que definiram sua vida pregressa.

Enquanto essa premissa se retorce em reviravoltas cada vez mais rocambolescas, com quebras e retomadas de romances aos montes, punhaladas pelas costas e confrontos ultra dramáticos para dar e vender, a performance de Song Ha-yoon permanece como uma das duas fundações imovíveis que mantém o espectador entretido durante a “barriga” excessiva que é protocolar de todo folhetim. Ela é deliciosamente odiável quando está distribuindo sorrisos falsos e piscadelas travessas, convincentemente perturbada quando nos deixa ver sua face mais violenta, e - acima de absolutamente tudo - dolorosamente compreensível (ainda que totalmente execrável) em seu impulso egoísta de se fazer de vítima para roubar os triunfos da amiga.

A segunda fundação importantíssima para fazer de A Esposa do Meu Marido a excelente novela que é? O roteiro de Shin Yoo-dam (Dia e Noite) nunca perde de vista, ao menos não por tempo demais, o seu melhor insight sobre relações abusivas: na história de Ji-won, que ganha a chance única de ver a própria vida em retrospecto, é fácil identificar como as pessoas abusivas cerceiam, isolam e monopolizam a pessoa abusada, afastando-a da possibilidade de relações mais saudáveis ao seu redor. É um processo construído por humilhações sublimadas em gentileza, com a ameaça da solidão correndo sempre nas entrelinhas, que logo atrelam a identidade do outro ao serviço que ele pode prestar - e a série do Prime Video entende tudo isso alarmantemente bem.

Melhor ainda, Yoo-dam (adaptando o livro original de Sung So-jak) desdobra esse retrato preciso na construção dos personagens e tramas secundários da série. A Esposa do Meu Marido é hábil no traçar de paralelos dramáticos entre a história que Ji-won está tentando mudar e os padrões de relacionamento vividos por aqueles ao seu redor, seja em como Ji-hyuk (Na In-woo) se sente preso nas obrigações de sua família aristocrática ou em como a Sra. Yang (Gong Min-jeung) luta para afirmar sua autonomia no trabalho e no casamento enquanto mantém a disposição gentil que é da sua natureza. São personagens “do bem” cuja única ambição é se cercar de mais gente “do bem” para seguir em direção de um aperfeiçoamento pessoal que, na contramão do próprio mundo corporativo onde eles transitam, não é nem um pouco exigente.

Até por isso, o que mais emociona no discurso final da protagonista de A Esposa do Meu Marido é quando ela diz que não se tornou uma pessoa maravilhosa” da noite para o dia. Ainda sou a mesma Ji-won”, avalia ela depois de transformar a própria vida de maneira quase utópica diante do destino que encarava antes de sua viagem no tempo. Em seus momentos derradeiros, a série acerta ao localizar a falácia e a verdade daquele clichê sobre “se tornar a melhor versão de si mesmo”: a atualização pessoal é possível e necessária, sim, mas também cronicamente incompleta - é preciso ter força para mudar o que podemos mudar, serenidade para aceitar o que não podemos, etc e tal.

Viver em paz com isso, no entanto, só é possível ao lado de pessoas que nos amam com essa mesmíssima serenidade.

Nota do Crítico
Excelente!