Kate Mara em cena de A Teacher (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Tensa e inteligente, A Teacher pergunta: e quando a vítima de abuso é um homem?

Minissérie do Star+ tem time criativo feminino investigando brilhantemente a masculinidade

16.09.2021, às 13H09.

Uma das decisões criativas mais importantes tomadas por A Teacher, minissérie que chegou ao Brasil pelo streaming Star+, foi a de contar sua história em episódios de 20/30 minutos. Se tivesse optado por capítulos mais longos, a produção poderia ter coberto a mesma narrativa em seis ou oito episódios, um número bem mais em voga para minisséries atualmente do que os dez de A Teacher - mas perderia, pelo caminho, a tensão fundamental que existe em suas unidades dramáticas, e que carrega a trama adiante.

É uma das muitas jogadas inteligentes da criadora Hannah Fidell (que adapta o seu próprio filme de 2013 ao lado de uma equipe quase totalmente feminina) nesta exploração cuidadosa e, por vezes, incômoda do conceito social de masculinidade e sua reação ao ser confrontado com o abuso. A premissa não é complicada: Claire Wilson (Kate Mara), uma professora de ensino médio, se aproveita de sua posição de poder sobre o aluno menor de idade Eric Walker (Nick Robinson) e engata com ele um relacionamento abusivo e ilícito cujas consequências se arrastam por anos na vida de ambos.

Por causa de seus episódios curtos, A Teacher preserva o impacto de cada passo que os personagens dão dentro desse relacionamento, tratando cada decisão tomada pelos dois, mas principalmente por Claire, com a gravidade necessária - porque cada uma delas tem um capítulo para si própria. Sejam flertes trocados nas aulas particulares durante o primeiro episódio ou concretização da atração entre professora e aluno, que vem no terceiro, a série mina o potencial dramático de cada situação de forma precisa e pontual.

A Teacher também sabe que existe uma linha tênue entre nos mostrar quem Claire é, como ser humano, e justificar ou relativizar seu comportamento, e caminha nessa linha com firmeza e habilidade. A personagem nunca deixa de ser a “vilã” de A Teacher - a série nos mostra a racionalização que ela faz do abuso, a sua insatisfação com a vidinha medíocre à qual se acomodou com o marido (Ashley Zukerman), mas não embarca nas justificativas dela, nem ameniza as sequelas terríveis que seus atos deixam em Eric. 

A missão aqui é mostrar que abusadores não são aberrações ou monstros, o que só contribuiria para narrativas como “essa pessoa jamais faria isso, eu a conheço”. Está nas possibilidades da natureza humana machucar outra pessoa dessa forma, nos diz A Teacher, com a ajuda de uma Kate Mara afiada em seu olhar fugidio e seu sorriso hesitante, que constróem uma mulher profundamente banal, e ainda mais letal por causa disso. Claire é uma personagem que poderia facilmente cair na caricatura nas mãos erradas, mesmo com um bom texto, mas Mara a equilibra brilhantemente na ponta da navalha.

Enquanto isso, do outro lado da narrativa, A Teacher encara realidades fundamentais que perpassam a trajetória de Eric. Sem fragilizá-lo, transformando-o em perpétua vítima das circunstâncias, a série examina penetrantemente como as ideias falsas da masculinidade interagem com a realidade do abuso: o que é ser abusado quando o mundo te diz que o homem sempre quer sexo, não importa com quem seja, em qual circunstância? O que é ser abusado quando “o aluno que pegou a professora” é um clichê tão celebrado e glorificado dentro dos ambientes masculinos? Como fazer as pazes com as cicatrizes que um abuso deixou quando o “ser homem” presume invulnerabilidade emocional, primazia física, dominação sexual?

Fidell e cia. abordam essas e outras questões com delicadeza, mas coragem. No centro de todas elas, Nick Robinson se mostra um ator muito mais hábil e potente do que sua performance mais famosa, em Com Amor, Simon, permitia demonstrar. A Teacher é uma minissérie perenemente tensa, que encontra em direção e montagem enxutas o caminho para manter o espectador preso a personagens que estão sempre no precipício de uma quebra emocional, segurados apenas pelos próprios conceitos que têm de si mesmos. 

Com um final que é um soco no estômago, perfeitamente escrito para encapsular as rupturas que a sua trama representa, a produção lançada pelo Star+ é preciosa também pelos temas que aborda, mas principalmente pela inteligência que demonstra ao abordá-los.

Nota do Crítico
Ótimo