Depois de colher elogios ao se afastar um pouco da fantasia de George Lucas com Andor, a Lucasfilm poderia facilmente focar os esforços de Star Wars em histórias mais pé-no-chão. Afinal, as tentativas mais recentes de brincar com a Força e os personagens que a usam não foram tão bem recebidas como o esperado. Se existia algum medo de que esses elementos seriam temporariamente escanteados pelo estúdio, Ahsoka chega para nos lembrar que a saga normalmente alcança seu ápice quando admite ser um conto de fadas.
Ahsoka parte já com uma grande vantagem sobre as produções recentes mais divisivas da franquia. Ao contrário de Star Wars: Os Últimos Jedi ou Obi-Wan Kenobi, a série é tocada pelo criador dos personagens que a estrelam. “Pai” de Ahsoka (Rosario Dawson), Sabine (Natasha Liu Bordizzo) e Ezra Bridger (Eman Esfandi), Dave Filoni sabe aonde quer levar cada um deles — e, tão importante quanto, onde os fãs querem vê-los — e constrói suas tramas com um objetivo claro de evoluí-los para além do domínio animado onde esses personagens foram criados. O apreço que o cineasta carrega por Star Wars desde Clone Wars garante à série alguns apoios nostálgicos, mas que nunca tiram o destaque dos elementos que são apresentados aqui e agora.
De posse das chaves de Star Wars, Filoni não se intimida e traz para o live-action todo o panteão que criou anteriormente em Clone Wars e Rebels, do senador Xiono (Nelson Lee) à adorada Hera Syndulla (Mary Elizabeth Winstead). Poucos nomes são realmente inéditos em Ahsoka. Essa familiaridade recompensa o fã que teve nas animações seu refúgio ao longo da década passada, e faz da exploração de uma nova galáxia, e das incertezas que vêm com ela em uma missão, algo confortável e excitante.
Apesar de alguns detalhes nostálgicos, não existe desejo de repetição em Ahsoka. A própria proposta de colocar a togruta e Sabina em uma missão de resgate intergaláctica já adianta um anseio pelo novo, algo que vinha ficando de fora de Star Wars em meio a tantos “tapa-buracos” lançados na TV e nos cinemas desde Han Solo. Mais do que apenas se encaixar na linha do tempo da franquia, a série busca criar novas histórias, dinâmicas e expandir de fato a mitologia ao invés de se prender ao serviço ao fã.
Filoni também resgata essa familiaridade com o passado da franquia em seus diálogos. Ao contrário de alguns títulos recentes que usam falas mais "naturais" do que os escritos por George Lucas, Ahsoka retoma a breguice que permeou os seis filmes pré-Disney. Ainda que algumas linhas pareçam truncadas, essa escolha conecta a série aos longas que a originaram de forma tão eficaz quanto grandes batalhas espaciais ou duelos com sabres de luz.
Dentro dessas diretrizes, o elenco principal de Ahsoka faz um trabalho memorável, especialmente Dawson, que flutua com facilidade entre a estoicidade e a esperança que Ahsoka mostra ao longo da temporada. Sua interpretação é discreta, mas profunda, e carrega toda a personalidade que Ashley Eckstein criou para a personagem após anos dublando-a em animações.
Dentro dos vilões apresentados na série, Baylan Skoll e Shin Hati se destacam com facilidade. Ray Stevenson e Ivanna Sakhno são alguns dos melhores antagonistas que a franquia já teve em live-action, não necessariamente por suas ações, mas por sua imponência frente a figuras poderosas e pelo mistério que cerca seus objetivos. Justamente por sua frieza e pelo suspense que os acompanha desde o primeiro episódio, os mercenários se estabelecem sempre como os personagens mais intimidadores em cena, até mesmo quando dividem o palco com o temido Grande Almirante Thrawn (Lars Mikkelsen).
Apesar do bom trabalho do elenco, Ahsoka não conseguiu evitar uma pequena barriga em sua primeira metade. Por melhor que tenha sido sua estreia, os três episódios seguintes repetem as mesmas discussões e argumentos, como se Filoni não encontrasse uma forma mais ágil de levar ao encontro entre Ahsoka e Anakin (Hayden Christensen). Felizmente, o quinto episódio marca um ponto de virada na temporada, com cada capítulo subsequente se mostrando melhor que o anterior e levando a um clímax agridoce, mas que deixa a porta escancarada para novas histórias.
Fugindo do medo que levou a decisões covardes em A Ascensão Skywalker e O Livro de Boba Fett, quando a Lucasfilm se viu intimidada pelas exigências da sua relação com o fandom, Dave Filoni faz com Ahsoka o que tem de melhor: expandir o legado de George Lucas com o carinho de quem vê Star Wars além de suas cifras. Além de se estabelecer como um dos melhores títulos da franquia até agora, a série prova aos fãs que ainda existem pessoas dispostas a expandir esse universo de forma crítica e criativa.