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Crítica

Apesar de se passar nos anos 70, The Winchesters é puro anos 90

Derivado do mundo de Supernatural começou bem, mas acabou se tornando uma série genérica cheia de vícios noventistas.

20.03.2023, às 17H41.
Atualizada em 20.03.2023, ÀS 17H51

Qualquer anúncio de série derivada é sempre um tópico de plena discussão entre os fãs de qualquer obra. Um derivado pode ser uma chance de aplicar uma nova identidade apenas “inspirada” no que o público conhecia antes. Em outros casos – e na maioria deles – um derivado acaba sendo só uma reprodução oportunista de um formato que dava audiência antes e só precisava de nomes diferentes com atores diferentes. No final das contas, é uma continuação indireta daquilo que acabou depois de anos no ar.

The Winchesters começou parecendo ser o primeiro caso, parecendo ser uma série que vinha de um universo que já conhecíamos, mas que usaria de um amadurecimento natural de linguagem, apenas usando o sobrenome de uma família conhecida para contar histórias de horror elevado, que priorizariam personagens e motivações humanizadas. O “sobrenatural” (que deu nome à série original, inclusive) tem suas vertentes fantásticas essenciais, é claro, mas a televisão passou por processos de evolução naturais.

A série Supernatural estreou em 2005, mas até o final daquela primeira década dos anos 2000, as séries de TV ainda eram pautadas pelos códigos dos anos 90. Smallville foi outra que começou em 2001, mas ainda era o puro suco noventista tanto na linguagem quanto na forma. Tanto uma quanto a outra tinham em comum o formato procedural, que conhecemos aqui no Brasil como “Monstro da Semana”; um termo popularizado pelos fãs da clássica Arquivo X. Isso significava que embora houvesse uma fina trama central, o que preenchia as temporadas eram os casos que se resolviam naquele mesmo episódio (geralmente num combate com um personagem que tinha poderes).

Esse tipo de série era muito dominada pela própria fórmula. Geralmente consistia em ter adolescentes ou jovens que nunca apareciam estudando, nem ganhando dinheiro para sobreviver, nunca vivendo a trivialidade da vida e quase morrendo ou evitando o apocalipse todas as semanas. O texto tinha lutas interrompidas para alguém dizer: “Antes de te matar eu vou te deixar implorar”; ou para apoiar os acontecimentos em palavras como “portal”, “livro”, “demônio”, “artefato”... e toda vez que um personagem quase morria ou o mundo quase acabava, estava todo mundo na semana seguinte vivendo sem nunca serem flagrados pela polícia, por registros de câmeras, por simples transeuntes. As narrativas fantásticas dos anos 90 eram totalmente inverossímeis.

Contudo, esse tipo de série é responsável por construir memórias afetivas. Boas séries como essa sempre foram capazes de sobreviver porque os personagens tinham carisma. Pouco importava se um demônio estava sendo combatido com uma ridícula pistolinha de água benta (como aconteceu em Winchesters), o que amávamos eram os personagens. Buffy, por exemplo, era uma série que sustentava suas bases na realidade mais maluca, mas que tinha Sarah Michelle Geller e seus amigos sendo adoráveis e até complexos.

Winchesters... mas de outro mundo

A história de John (Drake Rodger) e Mary (Meg Donelly) “seria” a história dos pais de Dean (Jensen Ackles) e Sam (Jared Paladecki). Após o fim de Supernatural – um grande sucesso – fazia sentido continuar explorando esse universo; e um derivado era a única opção viável. Então, fomos parar nos anos 70 para acompanhar como John e Mary se conheceram e como o grande amor entre eles resultou numa vida em comum ao lado dos filhos – que mais tarde virariam os caçadores da série original. O objetivo de todo spin-off é esse, aliás: contar o começo espalhando pistas e easter-eggs para o deleite dos fãs.

Os dois primeiros episódios de The Winchesters foram promissores. O fato de estarmos em outra década implicava em uma produção mais caprichada e uma ótima trilha sonora. Essa trilha sonora, enfim, foi muito bem aproveitada pelos produtores. Além dela, porém, muito pouco se salvou. A série poderia se passar em QUALQUER época, por uma razão muito simples: os roteiros foram escritos com aquela mesma energia dos procedurais dos anos 90. Não há nenhuma valorização do que representava o medo e sua mitologia nos anos setentistas.

Mary e John resistem aos próprios sentimentos durante algum tempo. Os dois são carismáticos, ao menos. A trupe que segue os dois é exatamente igual a que seguia Buffy, Clark Kent e até Veronica Mars: formada por estudiosos ou sensitivos; e por atores que completavam a cota de diversidade. Eles são muletas que eventualmente apresentam um drama superficial, que tampouco é diferente dos dramas do casal principal. Os episódios gastam os minutos finais com ceninhas ternas entre eles, mas antes disso passamos 35 minutos vendo diálogos toscos sobre monstros e tendo que aturar alguns deles feitos por péssimos efeitos especiais.

Para os fãs mais apaixonados, há um esforço de manter a curiosidade aguçada. A presença de Tom Welling em uma participação não é uma ligação direta com Supernatural, mas é uma reunião calorosa com outro ícone daqueles tempos. A já alarmada volta de Dean é que acaba arruinando todo o objetivo essencial de um derivado. O personagem – que morreu no final da série original – vem para fazer a revelação que destrói o motivo pelo qual The Winchester foi feita: ser uma série DERIVADA de um passado. Ao invés disso, os roteiristas afundam o projeto na obviedade das saídas múltiplas.

Nem se trata de “errar”, mas de “subverter”. Para aqueles que não se sentirem traídos pela subversão, The Winchesters será uma boa diversão... ainda que ela tenha se revelado uma série sobre caçadores que foram bem-sucedidos demais no que não deviam ter caçado: a alma da série.

Nota do Crítico
Regular