Como qualquer truque de mágica, o charme embriagante de As Bruxas Mayfair não é facilmente explicável à primeira vista. Um bom começo para desvendar esse mistério, no entanto, é notar que as duas mulheres que servem como showrunners da série (Michelle Ashford e Esta Spalding) trabalharam juntas pela última vez em Masters of Sex, um título meio periférico na explosão da prestige TV dos anos 2010, e por bons motivos - cheia de altos e baixos, a produção empurrava para os holofotes uma definição de feminilidade e sexualidade oblíqua, complicada, carnal e hormonal no sentido mais progressista possível.
As mulheres de Masters of Sex eram humanas, emaranhados problemáticos de neurônios e terminações nervosas que vibravam e ecoavam intensamente no mundo ao seu redor. Uma caracterização muito mais justa, eu argumentaria, e certamente mais sedutora narrativamente, do que o paradigma de força inescrutável que tem aprisionado as personagens femininas do mainstream contemporâneo. Principalmente por causa disso, mesmo quando a série vacilava em densidade ou coerência, ela continuava compulsivamente assistível, inegavelmente especial.
Em certo sentido, As Bruxas Mayfair é exatamente desse jeito. Dramaticamente frustrante, a trama dá voltas e voltas desnecessárias em torno de si mesma para preencher os oito episódios da primeira temporada… mas é também irresistível em sua qualidade desalinhada. Esta é uma história temperamental de injustiças de gênero, que se recusa a negar os impulsos tóxicos de suas personagens para pintá-las como virtuosas, e que rechaça o caminho convencional da tomada de poder feminino para indicar uma rota muito mais complexa, e consequentemente mais alcançável. Em outras palavras: Anne Rice teria adorado As Bruxas Mayfair.
Inspirada pela série de livros de feitiçaria assinada pela célebre autora de Entrevista Com o Vampiro (a tempo: a recente adaptação dos contos vampirescos de Rice, que se localiza no mesmo universo de As Bruxas Mayfair, também está no Prime Video e é excelente), a trama segue Rowan Fielding (Alexandra Daddario), cirurgiã que descobre poderes sobrenaturais e uma conexão familiar com um grupo de bruxas em Nova Orleans. Logo ela se vê emaranhada em uma disputa de poder milenar envolvendo uma organização secreta com métodos brutais e o misterioso Lasher (Jack Huston), entidade violenta cujo destino se entrelaça com o dessas mulheres mágicas.
Nas mãos de um timaço de diretores que inclui nomes como Haifaa Al-Mansour (Mary Shelley) e Michael Uppendahl (Legion), As Bruxas Mayfair é extraordinariamente consistente em sua abordagem estética. A fotografia parece passar todas as cenas por um filtro esverdeado que reflete os pântanos de Nova Orleans, criando um clima etéreo e úmido (esta é mesmo a melhor palavra para descrever o efeito) em torno de toda a encenação,e pintando a cidade - tão cara a Rice e tão integral às suas obras - com um verniz quase alienígena, totalmente oposto aos amarelos e vermelhos terrenos da Orleans de Entrevista Com o Vampiro.
Nesse lusco-fusco meio onírico, é até mais fácil deixar passar a quantidade obscena de burrices imputadas aos personagens para manter a trama em movimento. Sim, As Bruxas Mayfair é essencialmente uma novelinha sobrenatural, e como tal é culpada de se entregar ao melodrama sem preocupação com a consistência de diálogos e caracterizações. E sim, é difícil argumentar que o elenco da série se calibra muito bem a esse tom, incluindo a protagonista Alexandra Daddario, que se provou muito mais adepta da comédia de sutilezas com a excelente performance em The White Lotus. A possível exceção é (quem diria!) um Harry Hamlin apropriadamente mesquinho como o antagonista masculino mais óbvio de todos os tempos.
Ao menos ninguém pode acusar As Bruxas Mayfair de se curvar às demandas do mercado, de seguir qualquer impulso além do seu próprio faro temático - esse sim, largamente certeiro. Em seu melhor e em seu pior, Anne Rice era uma escritora de extravagâncias, que deixava o subconsciente dominar a lógica e desenhava suas tramas guiada pelos cantos mais escuros de um coração propenso ao vício, à obsessão, à transgressão. Era essa entrega total a si mesma que fazia de Rice uma grande escritora popular - e, julgamentos de qualidade à parte, As Bruxas Mayfair a honra plenamente ao fazer o mesmo.