Séries e TV

Crítica

Ash vs Evil Dead - 1ª Temporada | Crítica

Sam Raimi leva a franquia à TV com mais humor do que terror

04.01.2016, às 17H18.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Embora Ash vs Evil Dead ignore completamente os eventos de Uma Noite Alucinante 3 - o filme de 1992 da franquia Evil Dead que leva Ash para uma história de cavalaria no século 14 - a série de TV baseada na criação de Sam Raimi, cuja primeira temporada acaba de se encerrar, não deixa de ter suas próprias viagens no tempo, por assim dizer.

Porque mais do que responder perguntas nunca bem elaboradas sobre a mitologia de Evil Dead - sobre o Livro dos Mortos, o arqueólogo, a adaga kandariana - a adaptação televisiva está mais interessada em nos contar, afinal, quem é Ashley Williams, o protagonista interpretado por Bruce Campbell. E por meio de Ash vs Evil Dead aprendemos que, basicamente, nosso herói é um Steve Rogers bizarro, um produto dos anos 1970/80 que resistiu mal ao tempo, à base de muita tintura de cabelo.

Pela primeira vez vemos Ash no "mundo real", depois de dois filmes descolados da realidade (a cabana isolada é um não-lugar consagrado dos terrores, por mais que saibamos que os longas de 1981 e 1987 se passam em algum lugar nas florestas do Michigan) e um terceiro longa pensado como fantasia medieval. E quem é Ash, além dos seus bordões e do seu arsenal? As poucas informações que tínhamos antes (o subemprego num supermercado, o trauma de perder a namorada na cabana, a formação protestante latente na obsessão por fazer cruzes para enterrar cadáveres) são os parcos alicerces em que a série de TV se baseia.

A solução inteligente de Ash vs Evil Dead é usar esse próprio despertencimento para transformar Ash num anacronismo. Ele curte hard rock e sonha com bebidas, armas e biquinis como um jovem da era Reagan, época em que o primeiro filme chegou aos cinemas. Hoje, nos EUA que é sinônimo de caldo de culturas, Ash parece mais um clown de John Wayne, e toda a dinâmica com os coadjuvantes Pablo e Kelly opera em torno dos preconceitos e do sexismo de Ash. É muito boa a cena em que o herói planta a cruz na cova dos pais de Kelly e ela diz que eles, na verdade, eram judeus. De resto, a personagem de Dana DeLorenzo, péssima nas cenas de ação, funciona muito bem como comentarista e depois colaboradora das manias demodê de Ash, como soltar trocadilhos e frases de efeito a todo momento.

Se conseguimos, apesar de tudo, criar logo de cara uma empatia com nosso velho herói, é porque Ash vs Evil Dead também se passa numa América de caricatura: estamos não numa cidade específica do Michigan mas em cenários estereotípicos, como o trailer park, o diner, o casarão com o catavento, a loja de departamento, o bar de beira de estrada. Quando a curta temporada (dez episódios com pouco mais de cinco horas) chega no seu clímax na velha cabana, o tom já está dado: estamos diante de uma versão terrir de Eastbound and Down, passeando por uma paisagem de escárnio e fantasia ao lado do Idiota Americano.

Se Ash vs Evil Dead faz uma atualização interessante na franquia em termos de comédia, isso infelizmente acontece em detrimento do humor de pantomima que aproximava os filmes da comédia física dos Looney Tunes (e Campbell sempre se destacou pela elasticidade de suas reações faciais). Cenas como as brigas com criaturas de miniatura voltam, aqui, de forma tímida. Já no quesito terror, Raimi e os demais realizadores são mais conservadores. As soluções visuais emulam, sem muita variação, o que já funcionava nos filmes: os planos acelerados, o famoso traveling do espírito mau, a sangueira, a maquiagem. Apenas o primeiro episódio, dirigido por Raimi, flerta mais com terror moderno, os demais jogam com o garantido. Eventualmente jogam muito bem: como na ótima encenação do massacre no episódio do diner, ou no inspirado design do demônio Eligos.

Ficou faltando só, ao fim da temporada, uma criatura monstruosa de stop motion - essa grande dívida que Raimi paga repetidamente ao mestre Ray Harryhausen desde que inventou Evil Dead. Talvez tenham guardado para as futuras temporadas, que - agora que temos um herói estabelecido e alicerçado - desfrutarão de bastante espaço para brincar com o restante da mitologia do Necronomicon que sequer começou a ser explorada em Ash vs Evil Dead. Por enquanto, a adaptação à TV tem se saído muito bem em perceber que a grande atração de Evil Dead é mesmo Bruce Campbell.

Nota do Crítico
Ótimo