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Crítica

Bem-Vindos à Vizinhança só esconde um mistério: o porquê de ter sido feita

Nova produção de Ryan Murphy toma todas as liberdades do mundo para tornar atraente uma história saída das páginas da revista New York

20.10.2022, às 09H05.

Em 2018 Reeves Wiedeman saiu em campo atrás da família Broaddus e publicou uma matéria na revista New York que chamou a atenção dos leitores e causou um certo burburinho naqueles que gostavam de desvendar um bom e velho mistério no estilo de Agatha Christie. A matéria se chamava “The Watcher” e explicava logo em suas primeiras linhas que uma família regular americana havia se mudado para uma linda casa na Boulevard 657, em Westfield; e passado a ser “assombrada” por cartas que chegavam sem explicação à caixa de correio. As cartas eram sombrias e assinadas pelo tal “vigilante”; o que primeiro causou curiosidade e logo depois se tornou um problema.

A longa matéria contava com detalhes o tormento dos Broaddus, que diante dos detalhes bizarros vistos nas cartas, começaram uma cruzada para desvendar quem era o remetente das correspondências. Esse imbróglio revelou um comportamento peculiar de parte da vizinhança e também o senso de oportunismo do hiper competitivo sistema imobiliário americano. O texto de Reeves discorre sobre os eventos priorizando o que existe de mais potencial numa situação como essa: até onde vamos pelo medo, pela paranoia?

A história foi parar nas mãos de Ryan Murphy depois que a Netflix adquiriu seus direitos, e se tornou um dos poucos casos em que a equipe do showrunner se responsabilizou por algo que não partiu diretamente dele. Murphy parecia a pessoa mais indicada para a direção do projeto - intitulado em português Bem-Vindo à Vizinhança - diante de uma carreira tão bem-sucedida no terreno do sobrenatural. O milionário acordo com a Netflix obrigou Ryan a reproduzir a franquia American Crime Story na minissérie Dahmer e agora o obrigava a dar popularidade a uma adaptação que – ironicamente – tinha muito pouco a ver com o horror e o sobrenatural.

Como acontece com todas as produções de Murphy, Bem-Vindo à Vizinhança busca referencialidade já no elenco. Naomi Watts e Bobby Cannavale chegam até a casa intermediados pela corretora de Jennifer Coolidge, que faz o melhor negócio do mundo vendendo a eles uma propriedade com um passado duvidoso. A família se muda e logo nos primeiros dias recebe a primeira carta. O tom do autoproclamado Observador vai mudando e se tornando mais assustador conforme as outras cartas vão chegando. As pressões dentro de casa somam-se ao comportamento muito bizarro das vizinhas vividas por Mia Farrow e Margo Martindale, levando os novos moradores a um estado de pânico que começa a implodir a família.

Inóspito Mistério

Assim que Murphy assumiu o controle da adaptação de Bem-Vindos à Vizinhança, sua missão era conseguir tornar atraente uma história que tinha pouco, muito pouco para oferecer. O que estava nas páginas da matéria de Reeves era suficiente para encher um episódio de “Mistérios Sem Solução”, mas precisaria de muito preenchimento criativo para dar conta de sete episódios de 50 minutos cada um. Era uma situação complicada... O que aconteceu com os Broaddus não era, de forma alguma, sobrenatural. Mas, o nome de Ryan nos créditos era quase um chamado para essa abordagem. E se era isso que a Netflix queria... era isso que ele daria para eles.

A minissérie começa muito cedo a fazer suspense com elementos que ela mesma não vai conseguir administrar depois, e até o ponto em que a trilha reforça o medo de estar sendo espreitado por alguém, a história pode resistir com certa dignidade. Mas são sete episódios para preencher, são horas que precisam manter o público interessado; e para dar conta disso, começa a incursão do roteiro por devaneios sobrenaturais que não necessariamente fazem bem ao resultado final. A história dos Broaddus era mais sobre ambição e paranoia... A história da minissérie é mais sobre o que está na escuridão, sobre quem é o Observador, e isto não poderia ser mais alarmante dada conclusão de Bem-Vindos à Vizinhança.

É extremamente frustrante acompanhar uma história focada em um mistério se a resolução deste não se encaminhar para um fim satisfatório. Murphy já sabia seu frustrante desfecho, e ao invés de direcionar a adaptação para fora dessa pressão por revelação, o showrunner fez o completo oposto, sublinhando a dúvida o tempo todo e se inserindo em sua própria cilada. Naomi e Bobby dão tudo que podem para os personagens, como já era esperado. De fato, todo o elenco tem uma performance corretíssima e sustenta o nonsense de estar ali provocando a audiência  o tempo todo. 

É inevitável não ponderar quais seriam as razões para levar até o público essa trama tão impossibilitada de crescimento. Tudo que Murphy faz para deixá-la mais interessante a afasta do original... e tudo que o original oferece é dúvida. Bem-Vindos à Vizinhança não encontra equilíbrio, não sabe ser medonha sem exagero, não consegue permitir que a história seja sobre tudo que não se vê... e passa o tempo todo mostrando alguma coisa inútil para validar seu lugar na prateleira de suspense. Esta é uma minissérie que não recompensa, que não se justifica, que é inóspita com quem chega, que não nos inspira nem um pouco a seguir, sentar... e observar.

Nota do Crítico
Ruim