Foto promocional de Bom Dia, Verônica (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Bom Dia, Verônica segue envolvente, apesar de problemas na dramaturgia

Série policial brasileira tem ótimas intenções e sabe como manter o suspense

04.08.2022, às 16H54.
Atualizada em 10.02.2024, ÀS 17H29

Bom Dia, Verônica tinha dois trunfos em sua primeira temporada, exibida em 2020, e eles atendiam pelos nomes de Camila Morgado e Eduardo Moscovis. Sempre que os diálogos da série esbarravam no artificial, ou as soluções da trama se mostravam fáceis demais, os dois atores entravam em cena para elevar não só o suspense como também a dimensão dramática de todo o procedimento. O retrato que eles faziam da violência doméstica era a base potente e real em cima da qual a série podia adicionar detalhes macabros e enredar o espectador em sua história policial bem urdida.

O problema, claro, é que os dois saíram de cena de forma bem definitiva (e violenta) no final da temporada. Dois anos depois, portanto, Bom Dia, Verônica retorna à Netflix com a missão de se provar uma obra de televisão valorosa mesmo sem as duas forças da natureza que a carregaram de forma tão íntegra até a reta final no primeiro ano - e, logo de cara, a série toma algumas decisões que mostram que seguiu o caminho certo para isso.

A primeira é diminuir a contagem de episódios, dos oito da primeira temporada para os seis desta segunda. O formato mais compacto elimina da equação aquela “barriga” que muitas séries, especialmente na Netflix, costumam ter: não existe momento em que Bom Dia, Verônica se vê obrigada a andar em círculos, e logo não existe respiro para observar os personagens em situações estáticas, nas quais só a qualidade das atuações ou dos diálogos, mesmo, seriam capazes de manter o espectador engajado.

Em constante movimento, o segundo ano de Bom Dia, Verônica faz com que seja mais fácil relevar algumas de suas deficiências mais óbvias. Quando nossa protagonista entra desimpedida no escritório do grande vilão da vez, o missionário Matias Carneiro (Reynaldo Gianecchini), e não encontra uma única porta, gaveta ou armário trancado pelo caminho, a série caminha rapidamente para mostrar as consequências das descobertas dela, ou corta eficientemente para algum canto mais dramaticamente bem-resolvido da história - normalmente, para as interações sufocantes entre Matias, sua esposa Gisele (Camila Márdila) e sua filha Ângela (Klara Castanho).

Crédito onde ele é devido, aliás: os criadores Raphael Montes e Ilana Casoy, ao lado de sua equipe de roteiristas, acertam em cheio na construção desconfortável dessa dinâmica familiar. A sensação de desajuste está ali desde o começo, mas o texto de Bom Dia, Verônica espertamente se utiliza de interações e situações que seriam consideradas perfeitamente normais para construí-la. Além de uma exposição dos mecanismos do abuso, portanto, a segunda temporada de Bom Dia, Verônica dobra de maneira sagaz como uma revelação das raízes tradicionalistas das quais nasce essa violência.

Ao mostrar que o abuso sexual e psicológico pode estar embedado na própria morfologia do que entendemos como família, a série parece querer advogar pela construção de um modelo familiar diferente, não necessariamente distinto na sua constituição (ou seja, nos indivíduos que fazem parte dele), mas certamente distinto nas dinâmicas de poder e na retórica das relações. Daí o mergulho mais sólido na família de Verônica (Tainá Müller) e Paulo (César Mello), que aprende a sobreviver - ainda que fraturada pelos eventos do ano um - baseada na honestidade e também, claro, no acolhimento das diferenças.

O contraste entre a forma como Matias lida com a homossexualidade de Ângela e a forma como Verônica lida com a homossexualidade de Rafa (Dj Amorim) é o exemplo mais óbvio, costurado mais fundo, dessa retórica, mas Bom Dia, Verônica insere muitos pontos de contradição entre as duas unidades familiares, seus valores, suas realidades e a natureza das pessoas que as cercam. No fim das contas, essa é a diferença mais pronunciada entre a primeira temporada da série e esta segunda: apesar de um Gianecchini carismático e uma Camila Márdila comprometida com a complexidade emocional de seu papel, não é na qualidade dos atores que a série se apoia.

Ao invés disso, é a inteligência emocional e consciência social de Bom Dia, Verônica que mantêm o espectador grudado à tela.

Nota do Crítico
Bom