Ubaldo Vaqueiro (Allan Souza Lima) era um menino que saiu do interior do Ceará ainda pequeno em direção à cidade de São Paulo. Na capital paulista, cresceu, serviu o Tiro de Guerra e trabalhou em um banco até ser demitido. Seu pai (Ricardo Blat), um ex-militar aposentado, está hospitalizado e a conta para seu tratamento só aumenta. É nesse cenário meio trivial de desesperança, replicado de tantas experiências de retirantes Brasil afora, que Ubaldo se encontra antes de descobrir-se, de repente, protagonista de uma epopeia de ação em Cangaço Novo.
Com produção da O2 Filmes (Cidade de Deus, Manhãs de Setembro) e direção de Aly Muritiba (O Caso Evandro, Deserto Particular) e Fábio Mendonça (Vale dos Esquecidos, O Doutrinador), a história criada por Mariana Bardan e Eduardo Melo se filia a uma tradição de combinar o faroeste de inspiração hollywoodiana com a mitologia do Sertão. Bacurau não inventou esse subgênero, mas o sucesso do filme de Kléber Mendonça Filho certamente despertou um interesse novo pelo diálogo dos westerns com o cangaço. Mendonça e Muritiba não propõem jogar luz e poeira sobre a vida sofrida do semiárido, mas usar disputas políticas e territoriais na região do folclórico coronelismo como pretextos da ação.
Ubaldo não demora para se envolver, ou melhor, ser envolvido, com uma quadrilha que assalta bancos nas cidades próximas da fictícia Cratará. Isso muda a história da região, do ex-bancário e do bando, da qual faz parte uma de suas irmãs, Dinorah (Alice Carvalho). O grupo, que agia de forma selvagem e desordenada, ganha com a experiência de Ubaldo no exército e no banco, e passa a realizar assaltos "limpos" e mais lucrativos - e Ubaldo vira uma espécie de Robin Hood do Ceará. Se Cangaço Novo aspira à qualidade hollywoodiana, isso fica evidente no desenho do arco de Ubaldo, que o coloca como herdeiro legítimo de um mítico cangaceiro local. De O Poderoso Chefão (1972) ao francês O Profeta (2009), as narrativas de transformação do anti-herói criminal são mais do que familiares e Cangaço Novo apela para essa proximidade para engajar o espectador casual de imediato.
O elenco foi escolhido entre mais de 2 mil pessoas, todas nascidas no Nordeste brasileiro, e depois passou por treinamento conduzido pela preparadora Fátima Toledo. O destaque fica para os três Vaqueiros: a mudança de postura, linguagem verbal e corporal de Ubaldo, os silêncios que tudo dizem de Dilvânia (Thainá Duarte) e a casca dura de Dinorah, que quebra em mil pedaços num arco de transformação que rivaliza com o de Ubaldo. Assim como a O2, que com suas produções definiu um tipo de estética no audiovisual brasileiro nos anos da Retomada, Fátima Toledo também responde por um tipo de atuação naturalista e intensa que parte do público espera das produções em que ela trabalha, desde Cidade de Deus. Cangaço Novo não foge à regra desse controle de qualidade.
Uma das mudanças que Ubaldo traz para os assaltantes de banco é uma postura mais segura para eles e as pessoas que estão no banco. No início, a única coisa que eles protegiam eram os seus rostos. Depois, começam a usar coletes à prova de balas. Porém, isso não deixa o roteiro à prova de furos; mesmo nos roubos furtivos os assaltantes se chamam em voz alta por seus nomes ou estouram vidros logo na chegada. Fica claro que o espetaculoso da ação é o que define uma cena, e a série é muito consistente nesse sentido: investindo na ação e na tensão, com uma violência sem exageros, pontuadas por uma trilha sonora muito bem escolhida. Com todos os episódios já disponíveis da primeira temporada no Prime Video, é quase impossível não maratonar Cangaço Novo. Os moldes dos arcos hollywoodianos sugerem que sempre há mais espaço para redenções ou ruínas, e a história passada e o futuro dos Vaqueiro se prestam a ambas.