Durante a pandemia do COVID-19 muita gente ficou "presa" em casa. Teve quem repensou prioridades e projetos. Para Ewan McGregor, o período acabou rendendo ao menos um bom projeto e que - mesmo inconscientemente - tem ligações muito profundas com ideais que ele defende e vive. Sim, estamos falando da adaptação do livro Um Cavalheiro em Moscou (Ed. Intrínseca), do escritor estadunidense Amor Towles.
Publicado em 2016, o romance conta a história fictícia do Conde Aleksandr Ilitch Rostov, que é julgado e condenado no tribunal bolchevique depois da Revolução Russa de 1917. Sua pena: passar o resto de seus dias cumprindo prisão domiciliar no luxuoso Hotel Metropol, sediado na capital russa. Inicialmente, quem iria interpretar o Conde era Kenneth Branagh, mas com a pandemia as coisas se desalinharam e o projeto acabou caindo nas mãos do ator escocês.
McGregor interpreta o Conde de forma emocionada. Ele cria um personagem que, embora preso, é muito cativante, ainda continua amando seu país e que é muito bem quisto pelos funcionários e também pelo outros hóspedes que passam pelo pomposo saguão do Metropol. Com a atriz Anna Urbanova (Mary Elizabeth Winstead — esposa de McGregor na vida real), o Conde desenvolve um conturbado relacionamento amoroso. Ao mesmo tempo, ele tem na jovem Nina Kulikova (Alexa Goodall e Leah Balmforth) uma pessoa com quem conversar, compartilhar seus conhecimentos e até se divertir, descobrindo locais secretos do hotel.
Matrioska também envelhece
Como uma boneca russa que vai se abrindo e revelando situações novas, a passagem de tempo é tão importante no livro quanto na série. É a partir dela que vamos vendo a União Soviética aprisionando e matando prisioneiros políticos, o serviço secreto de olho em tudo o que acontece no hotel em busca de espiões estrangeiros ou pessoas contra o regime comunista, a abundância em que o Conde nasceu e foi criado se esvaindo e as consequências de eventos externos, como a Grande Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial.
Um dos momentos em que a vida do Conde dá um giro inesperado é quando Nina reaparece no hotel. Seu marido havia sido preso e enviado para um gulag. Sabendo que ninguém voltava dos campos soviéticos de trabalho forçado, ela decide ir atrás dele, mas antes deixa sua filha aos cuidados do seu amigo, prometendo voltar em breve. McGregor, que já havia demonstrado carinho paternal com a pequena Leia (Vivien Lyra Blair) em Obi-Wan Kenobi, repete a dose com Sofia (Billie Gadsdon e Beau Gadsdon).
E aqui voltamos ao que foi dito no início deste texto porque em entrevista exclusiva ao Omelete, o ator disse que não escolhe os projetos conscientemente pensando em, por exemplo, reviver a relação paternal que ele tem com suas filhas, mas que quando se dá conta é o que está acontecendo. "Durante as filmagens que eu percebo por que as coisas são tão relevantes. Eu acho que o relacionamento dele com Nina é totalmente influenciado pelo meu relacionamento com minhas filhas. Eu me identifico totalmente com a sua alegria e na amizade com ela, porque é assim que me sinto em relação às minhas meninas. E durante as filmagens, eu percebi que também é uma história sobre uma adoção, e uma das minhas filhas, Jamyan, é adotada. Eu não pensei sobre isso enquanto estava decidindo fazer a série, mas enquanto estávamos fazendo, eu fiquei tipo: 'Ah, claro, eu me identifico com isso tão fortemente porque eu sou um pai e tenho uma filha adotiva!' Esta é a relação dele com a Sofia! E é bom quando você consegue se inspirar totalmente na sua própria vida", completou o ator.
E assim, sem os efeitos especiais e explosões das séries cheias de ação, Um Cavalheiro em Moscou aposta no drama pessoal - ora leve, ora mais intenso - para desenvolver sua história. Com uma ótima química entre os atores e lindos cenários e figurinos russos do início do século 20 como pano de fundo, a série funciona mesmo tendo seu protagonista confinado em um hotel.