Menos de um mês depois de se envolver numa grande polêmica religiosa com o especial da Porta dos Fundos, a Netflix se viu diante de outra controvérsia, que atende pelo nome de Messiah, nova série original que, assim como Homeland e Tyrant, vai mexer com o Oriente Médio e falar sobre a complicada relação com o continente americano, trama preferida de algumas das principais produções realizadas justamente pelos Estados Unidos. Em tempos em que se fala até de Terceira Guerra Mundial, a delicadeza do tema vai crescendo a olhos vistos.
Messiah, contudo, não tem ainda o alcance de Homeland, mas pode vir a ser igualmente odiada pelos muçulmanos. Antes mesmo de sua estreia, uma petição rolava pela internet pedindo o cancelamento da série, baseada unicamente em sua premissa. Michael Petroni, seu criador, se apressou em dizer que tudo estava sendo feito para provocar e não para ofender. Uma olhada no histórico do mesmo já deixa evidente que o tema é parte de sua motivação criativa. Em 2003 ele tentou emplacar uma série chamada Miracles, mas a empreitada não foi bem-sucedida.
Em Messiah tudo começa logo após uma tempestade de areia impedir um iminente ataque do Estado Islâmico na capital - uma tempestade real atingiu a Síria em 2015 e provocou um cessar fogo durante algum tempo. Na série, o acontecimento é atribuído a um homem que, pelas ruas da cidade, vai se anunciando como uma espécie de Messias. Ao passo em que outros “milagres” vão acontecendo, a situação vai sendo tratada como uma segunda vinda de Jesus Cristo e isso, é claro, chama a atenção principalmente da América do Norte.
O nome Al Masih é usado para se referir ao homem (vivido por Mehdi Dehbi) e aí também residia uma das razões pelas quais a série foi rejeitada antes de sua estreia. A comunidade islâmica rechaçou a produção por falar da “segunda vinda de um messias” usando para isso o nome “Al Masih” que não está ligado a esferas positivas e sim ao que seria a vinda do anticristo. Embora esse não seja o nome do homem, é assim que ele é chamado na série, o que de fato não chega a ser discutido de maneira eficaz, já que até os que acreditam nele o chamam assim.
A “parte americana” da história fica a cargo da agente da CIA Eva Geller (Michelle Monaghan), que não deve ter esse nome por coincidência. Ela – como esperado da TV contemporânea – tem um passado dramático e uma vida infeliz e se vê a frente do caso que investiga o suposto profeta. É claro que os EUA precisam interferir, afinal de contas, conforme o homem se torna famoso seus milagres se espalham nas redes sociais (inclusive numa emblemática caminhada pelas águas do Monumento de Washington), a ordem começa a ser afetada.
Mídia Messiah
Messiah foi criada com uma tentativa óbvia de discutir a relação entre fé, política e mídia. Al Masih não se acanha em fazer seus milagres em frente a dezenas de celulares e logo autoridades do mundo inteiro se interessam em compreender o fenômeno de sua popularidade. Petroni utiliza bem a dinâmica entre o minimalismo e a escala global, usando os efeitos especiais a favor da ação. O segundo grande núcleo, por exemplo, é uma família do interior do Texas, centro do Cinturão Bíblico, que vê o profeta chegar até a cidade depois que um tornado destrói tudo menos a igreja. Fenômenos naturais são espertamente ligados às aparições do sujeito.
Toda essa preparação acontece até metade da temporada, quando começamos a esperar pelos desdobramentos textuais que darão ao produto sua razão de ser. O que acontece é que Messiah quer ser o que é pautada apenas em dúvida. O homem é mesmo quem diz que é ou é uma fraude bem orquestrada? Todo o aspecto social é apenas pincelado e as questões políticas se esvaziam em meio ao jogo de gato e rato promovido pela CIA. Longas sequências se gastam nesse processo de investigação e, então, percebemos que não só Al Masih pode ser uma fraude, como a série pode ter prometido mais do que entregou.
Para um líder que carrega seguidores por toda parte, há zero carisma. Mehdi vai pelo caminho mais óbvio de interpretação e passa o tempo todo no mais puro blasé. O texto, que no caso de um homem que convence pela palavra é essencial, parece burocrático, sem inventividade e sem apelo. E quando se coloca em perspectiva que se o mistério sobre ele for revelado o futuro da produção se enfraquece, os objetivos se tornam ainda mais nebulosos. Ao final de tudo, o único caminho possível parece ser o de esticar as dúvidas até o limite.
Messiah tem aspectos interessantes que, com um texto mais apurado, poderiam produzir uma narrativa realmente inquietante. Infelizmente, o alto valor de produção não condiz com seu texto rasteiro e intenções confusas. Não é preciso nenhum messias para dizer que, no máximo, o futuro da produção é para lá de regular.