[Cuidado com spoilers de Dexter: New Blood]
Em uma das últimas sequências de Dexter: New Blood, o serial killer criado em 2006 e que foi se tornando cada vez mais humano e menos killer, abraça o filho Harrison (Jack Alcott) e diz a ele: “O mundo precisa de nós”. A ideia é amenizar diante dos olhos do jovem a função funesta que o assassino executa toda vez que o Dark Passenger ressuscita. Mas, ao mesmo tempo, ecoam ali as palavras do showrunner Clyde Phillips, que tinha um desejo sincero de reescrever o final do personagem, enquanto também era incapaz de resistir à ideia de levá-lo até esse altar de quase heroísmo que permanece, continuamente, descaracterizando o criminoso.
Todos nós estamos repetindo desde 2013 que o final de Dexter foi horrível, mas quando pensamos calmamente sobre tudo que isso significa, o que fica não é a morte de Deb (Jennifer Carpenter) ou a fuga idiotizada para o meio de uma floresta. O que fica é a certeza de que o grande erro cometido por quem tomou conta da série naquele período foi esquecer quem era aquele personagem, qual era o motivador dele – e um motivador que não tem natureza mutável. Serial Killers não podem ser “curados”. Serial Killers não “desenvolvem” empatia; eles só fingem uma.
O problema – vejam só – foi a paixão. Dexter era um personagem tão interessante, tão cheio de possibilidades, por quem era tão fácil torcer, que aconteceu com os roteiristas o que só pode acontecer com os espectadores: eles se apaixonaram e começaram a ver o protagonista como alguém que queriam proteger, mesmo que isso significasse renunciar a qualquer lógica. À primeira vista, a morte de Deb poderia parecer uma punição, mas a existência dela prenderia o personagem onde quer que ele estivesse e para protegê-lo, ela precisava partir. Os roteiros sacrificavam os outros para que Dexter nunca precisasse ser sacrificado.
Mas, então, o que significa “sacrificar” Dexter? É claro que por muito tempo isso não era possível, porque havia uma série com algumas temporadas para cobrir. Mas, quando o martelo final fosse batido, ele não precisaria mais de acolhimento. Afinal, que espectador de The Sopranos nunca torceu para que Tony se redimisse? Era tão fácil torcer por ele às vezes. Porém, quando a empatia crescia demais, os roteiristas nos faziam lembrar: esse homem é um monstro. E Tony teve o final decadente que merecia. Em Dexter, nem mesmo na última linha do texto da série original, os produtores estavam dispostos a abrir mão da paixão que sentiam.
Sangue Velho
Trazer o personagem de volta era necessário, sim. Toda série que teve um final realmente péssimo tem até o dever de retornar para corrigir seu curso. É absolutamente compreensível o motivo pelo qual todos os envolvidos toparam retornar para New Blood. Agora, nessa minissérie, eles teriam a oportunidade de fazer com o personagem o que David Chase fez com Tony Soprano lá atrás: sacrificá-lo. E por mais que doesse fazê-lo ser preso ou morto, nenhum outro caminho seria honroso com o personagem. Ele era um assassino, matou pessoas inocentes, quebrou o código, espalhou sangue por onde passou... Ele não merecia ser protegido além da última página.
New Blood foi irregular até seus últimos 15 minutos. Embora a escalação de Jack como Harrison tenha sido muito acertada e a dinâmica entre pai e filho tenha segurado a relevância da temporada por muito tempo, a ideia dessa relação em si, por conceito, dependia do nosso desapego racional. Ver Dexter amar o filho era incoerente com a natureza de um psicopata, mas ele já vinha tão descaracterizado, há tanto tempo, que era quase como se a licença fosse menos dolorida. Por muitos episódios, a violência que Dexter e Harrison usavam para criar uma ligação parecia um cálculo que protegia de novo o personagem; e foi apenas nesses últimos 15 minutos finais, que a série respirou aliviada e nos disse: “não, é hora de dizer adeus de verdade”. Harrison foi atrás do pai para descobrir que é diferente dele. Esse foi outro acerto, dos bons.
Estruturalmente, New Blood não foi criativa e nem interessante. Ela seguiu a métrica de todos os outros anos: um assassino serial está próximo e Dexter vai fazer tudo para matá-lo também. No meio disso, ele vai lidando com as possibilidades de ser capturado. O que escapava um pouco para fora da curva era a presença do filho. Dentro da temporada há momentos positivos como a determinação de Angela (Julia Jones) na investigação dos casos; e outros momentos de mau gosto, como a insistência armamentista num universo onde nunca predominaram as armas de fogo.
Quando o destino do personagem é sacramentado e Harrison encontra a resposta para o que o atormenta, Dexter: New Blood sai de cena com dignidade. O monólogo final é correto, a sequência é triste e justa na mesma medida, deixando mais evidente que nunca, o pecado que foi não ter dado ao assassino o final que ele precisava ter. Por sorte, os fãs podem vê-lo agora. É claro que não será o final preferido de todo mundo. Mas, dessa vez, será um final emocionante para alguns. Foi duro, difícil, mas foi preciso.