Se Sherlock Holmes vivesse nos dias de hoje, ele provavelmente seria um agente do FBI, um especialista forense ou um nerd do computador. Seus métodos clássicos encontrariam na modernidade uma exigência de especialidade e uma inserção natural no ritmo contemporâneo. O charme da conclusão psicológica, da construção de impressões baseadas em instinto e observação, ficam eclipsadas pela evolução da tecnologia. Consequentemente, também se transformam as maneiras de se contar uma história. Elementary, o investimento da CBS nessa exata premissa, podia parecer extremamente ousada e provocativa, mas talvez o excesso de cautela dos envolvidos tenha provocado um resultado longe disso. No fim em sua sétima temporada, a série vai como chegou, sem causar estardalhaço e muito passível de ser esquecida.
Para os fãs da obra de Arthur Conan Doyle, a transposição do universo do personagem para os dias de hoje poderia ser até mesmo uma heresia. Robert Doherty, que criou a adaptação, arriscou a descaracterização do personagem tirando-o não só do passado, mas levando-o para os EUA, onde ficaria à mercê da contaminação cosmopolita de Nova York. Mais ainda: reverteu o gênero de Watson, transformando-o numa mulher vivida minimalisticamente por Lucy Liu. Juntos, os dois iriam fazer o que Arquivo X, Castle, Bones, Lucifer e tantas outras já tinham feito exaustivamente: mostrar um casal investigando crimes. Apesar de ter sido ousado na adaptação, Robert entrega Holmes (Jonny Lee Miller) e Watson ao que existe de mais metódico e seguro na televisão americana: o procedural.
A série teve seis temporadas longas, ainda presas ao modelo de 22 ou 24 episódios, que muito provavelmente poderiam ter sua trama central resumida a apenas dois. A cada começo de episódio e a cada final, um tostão dessa narrativa era estratégicamente misturada a muitos e muitos minutos da resolução de um caso que servia apenas para mostrar o talento investigativo da dupla. É claro que isso tem seu valor, e que existe um público para isso. Mas, ao mesmo tempo, essa é uma era em que é cada vez mais difícil segurar o espectador em frente à TV se ele não tiver um bom motivo para voltar depois. Com uma sétima temporada reduzida a 13 episódios, Elementary durou tempo suficiente para ser considerada um sucesso e também para ser considerada um dos últimos títulos resistentes daquele jeito antigo de se fazer TV.
Elementos
Os produtores da série acharam que a sexta temporada seria a última e providenciaram um final que fosse viável caso o cancelamento se concretizasse. Mandaram Holmes e Watson de volta para Londres, como uma forma poética de encerrar a investida moderna dos personagens. Porém, a renovação acabou acontecendo e os roteiristas tiveram que reverter o processo, dando um jeito de trazê-los de volta. Para isso, atentaram contra a vida do Capitão Thomas (Aidan Quinn) e começaram o ciclo de “parece mas não é” que ocupou boa parte dos ganchos da temporada. Tudo começou com Holmes fingindo que não tinha voltado para os EUA e daí para frente, as mortes e desaparecimentos falsos se tornaram a muleta da história. Especificamente, Elementary não tinha uma narrativa central segura para explorar nesse último ciclo, então, foi preciso criar uma.
Aqui precisamos admitir que a ideia por trás da empresa de Odin (James Frain) era curiosa: através de um império tecnológico que funcionava quase como uma sociedade secreta, Odin se dedicava a investigar e descobrir possíveis ações criminosas, terroristas ou não, que pudessem ser evitadas eliminando o agente opressor. É um raciocínio em plena vigência nos EUA da era pós-Trump e que numa instância parecida, também é o nosso. Odin queria que Holmes e Watson ajudassem-no a matar pessoas antes que elas se tornassem efetivamente assassinas. Mas, até onde está a ética em condenar um criminoso antes mesmo que ele cometesse um crime? Era uma discussão interessante, que rendeu bons momentos para a temporada e que poderia ter sido ainda melhor aprofundada se os roteiros não tivessem sempre uma necessidade tão grande de simplificar tudo com reviravoltas rocambolescas.
Com essa única trama central pra desenvolver, os dois últimos episódios tentam como podem recuperar elementos da mitologia da série para nos dar uma sensação de “últimos momentos”. Conseguem trazer John Noble de volta, mas fracassam ao tentar reconectar Sherlock ao seu passado com Moriarty sem que Natalie Dormer esteja disponível para isso. O episódio final é correto, mas não tem clímax, apenas mais tentativas de nos fazer acreditar no que não aconteceu realmente. O que fica de marcante nessas últimas sequências é o investimento delicado nos diálogos finais entre Holmes e Watson. Vê-lo ser menos egocentrico, vê-la mostrar alguma fragilidade, sem investir em ângulos românticos; esse sempre foi um grande acerto da produção.
Enfim, Elementary encerrou sua carreira na televisão sem grandes erros e também sem grandes acertos. Ela sempre foi uma série confortável para seus espectadores, não maculou a dignidade do personagem e fez suas referências com equilíbrio (o pequeno Arthur, por exemplo). É provável que muito em breve ninguém mais se lembre dela, mas é melhor uma trajetória monocórdia que ser eternizada por um amontoado de equívocos.