Cena da 3ª temporada de Emily em Paris (Reprodução)

Séries e TV

Crítica

Emily em Paris melhora com foco na vida profissional da protagonista

Deixando triângulo amoroso enfadonho de lado, série volta a ser bom escapismo

22.12.2022, às 09H19.

Deve ser uma delícia ser Emily Cooper (Lily Collins)... As coisas que ela precisa caem a seus pés como se o mundo todo estivesse em função de suas necessidades. Quando ela precisa de uma campanha, pessoas conhecidas surgem com contatos quentíssimos; quando ela precisa de acesso a uma pessoa influente, essa pessoa a segue no Instagram; se Emily precisa voltar ao emprego perdido, as pessoas que vão lhe garantir isso esbarram com ela na rua ou são parentes de uma amiga; e até quando um plano de Emily falha, é para que ela saia na capa de uma revista.

Darren Star, criador da série, não se faz de rogado: no mundo dele, Emily Cooper é infalível. Mesmo sendo assalariada, ela consegue pagar o melhor guarda-roupa de toda Paris, acorda maquiada e penteada, namora o gerente de uma empresa gigante, é apaixonada por um chef com uma potencial estrela Michelin, divide apartamento com uma potencial estrela da música e tem ideias, zilhões de ideias, quase escorrendo pelos ouvidos a cada episódio. Todas geniais.

Conceitualmente falando, esse sempre foi o plano. Se Darren tivesse continuado à frente de Sex and the City (ele deixou a série logo depois da segunda temporada), os elementos de sofrimento das quatro protagonistas teriam sido esvaziados. Darren está interessado em romantismo, em enfeitar com o máximo possível de estética cada um dos frames de sua série. Em Emily em Paris tudo é perfeito, a cidade é perfeita e a vida da jovem estrangeira é uma comédia açucarada infinita. Se você não está interessado nesse escape, não vai aproveitar a série e permanecerá em constante estado de cinismo em relação a ela.

Na terrível segunda temporada, essa ideia de superficialidade foi elevada até as vias do insuportável, com uma atenção quase exclusiva ao enfadonho triângulo amoroso entre Emily, Gabriel (Lucas Bravo) e Camille (Camille Razat). A única forma de consertar os estragos seria reencontrar o eixo profissional da protagonista, que era, enfim, a base que dava ao enredo seu charme O Diabo Veste Prada. E foi isso que Darren e sua equipe fizeram nessa nova leva de episódios. A vida pessoal estagnada de Emily ainda está lá, mas, ao menos dessa vez, o carisma está de volta e a série se recuperou do fracasso.

Só tem Emily em Paris

Quando a temporada começa, Emily precisa resolver a situação com a empresa de Sylvie (Leroy-Bealieau), que rompeu com Madeline (Kate Walsh) e foi montar sua própria agência. Incapaz de se indispor com as duas, Emily vai empurrando a situação, trabalhando para ambas, até que a bomba inevitavelmente exploda. Esse é o primeiro bom sinal de que as coisas voltaram aos trilhos. O objetivo dessa temporada não é somente insistir no triângulo amoroso, mas também dar bastante espaço ao que acontece no escritório, deixando as coisas mais equilibradas.

Foi uma decisão muito saudável para a série, com todos aqueles movimentos deliciosamente previsíveis de personagens que recomeçam em suas profissões no mundo da ficção. Todo o processo de separação e reconstrução da agência de Sylvie é divertido. A gente sabe exatamente como tudo vai acontecer e os roteiristas chegam ao cúmulo de inventar uma maneira esdrúxula de até mesmo continuarem usando o mesmo cenário da antiga Savoir. É claro, tudo com Emily sendo praticamente a única pessoa competente e talentosa de Paris, resolvendo tudo, sabendo tudo.

A mesma lógica acompanha os outros personagens. Dessa vez Mindy (Ashley Park) tem mais conflito e os roteiros resolvem bem a desculpa para que continuemos vendo seus bons números musicais. Ganhamos na amizade entre ela e Emily, um dos pontos mais charmosos da série. A “sorte” absurda que domina a dramaturgia alcança Mindy e depois alcança Gabriel... deixando somente Camille com a função de ser a megera do ano - do contrário, como o público vai continuar torcendo pelo casal principal?

É claro que compreendemos que essa é uma fórmula que tem o amor romântico como ingrediente necessário. Talvez o grande problema seja a série conseguir nos convencer da legitimidade desse enredo. Insistir em Emily e Gabriel parece uma teimosia dos produtores e não o resultado natural de uma história. Gabriel é totalmente desprovido de carisma, de força, de charme... Torcer pelo casal é difícil e acompanhar o “rocambole” que a trama enrola para tentar fazer isso é penoso. A diferença dessa temporada para a anterior é que, dessa vez, vale a pena continuar.

A Paris radiante, a vida fashionista impecável de Emily e a maneira como tudo em sua vida dá certo não tem nenhum compromisso com a verossimilhança. A proposta, contudo, é exatamente essa. Para funcionar e nos fazer desprender da nossa cobrança realista, tudo tem que ser divertido e charmoso. Nessa terceira temporada, fomos recompensados com um satisfatório escape. Na Paris de Emily só existe ela mesmo... e tudo bem, já que ela, tampouco, não é nem meramente realista.

Nota do Crítico
Bom