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Séries e TV

Crítica

Série da Netflix, Eric vai além do mistério para contar história perturbadora

Benedict Cumberbatch dá show como um pai alcoólatra em busca do filho perdido

10.06.2024, às 16H44.
Atualizada em 10.06.2024, ÀS 17H03

Em Eric, Benedict Cumberbatch vive Vincent Anderson, um famoso marionetista responsável por um dos principais programas infantis da TV dos EUA, que vê a vida de sua família ruir quando seu filho de 9 anos, Edgar (Ivan Morris Howe), desaparece misteriosamente durante o caminho para a escola. Quem ler a sinopse da minissérie britânica pode achar que se trata de mais um thriller de mistério, abdução e potencial vingança, mas Eric se cobre de muitas camadas que refutam os rótulos.

Com o desaparecimento de Edgar, Vincent se convence de que se der vida ao novo boneco que o filho inventou para a sua série, o garoto voltará para casa. É a senha para a entrada em cena do personagem-título, um "muppet" semelhante à uma versão mais fofa de Sully, de Monstros S.A., invisível para os outros e dublado pelo próprio Cumberbatch. Eric segue Vincent como uma manifestação de suas esperanças, traumas e culpas, como uma alusão à saúde mental em ruínas do protagonista.

Em matéria de rótulos, a minissérie então se abre a muitas possibilidades: a relação com o boneco remete a Harvey (filme de 1950 que por sua vez foi recentemente referenciado em Amigos Imaginários); a jornada destrutiva de Vincent é familiar a qualquer um que viu de House a Breaking Bad. Seu jeito narcisista destrutivo e sem papas na língua não poupa os colegas ou a própria esposa, Cassie (Gaby Hoffmann), que busca conforto nos braços de um amante enquanto começa a duvidar da inocência de Vincent. Isso faz com que o marionetista entre no radar do detetive Michael Ledroit (McKinley Belcher III), que precisa solucionar o caso de dois jovens desaparecidos enquanto tenta esconder um relacionamento homoafetivo de outros membros da força policial.

Tudo no roteiro escrito por Abi Morgan, também produtora da série, procura pela densidade. A escolha de contar essa história na Nova York dos anos 1980, período marcado pela falta de segurança pública e pelo crescente preconceito contra homossexuais pelo avanço da AIDS, faz de Eric um painel para tratar de racismo e homofobia através do mistério envolvendo o sumiço de Edgar. No centro de tudo está Cumberbatch, com uma atuação que tem tudo para lhe render uma indicação ao Emmy. Seu Vincent é um homem falho que não consegue enxergar seus próprios defeitos, e encontra no monstro Eric a personificação desses traços que ele negligencia (mas que para o espectador fica mais que literal na alegoria do verdadeiro monstro embaixo da cama).


Grande parte da ação de Eric acontece no submundo obscuro e subterrâneo de Nova York, mas o verdadeiro esgoto paira nas ruas ensolaradas e nos corredores frios do departamento de polícia. A escolha de antepor um mundo depravado à óbvia inocência do programa infantil de TV é pensada para tornar as diferenças desses dois pólos mais gritantes. Mais do que contar uma trama de mistério, Eric a usa como embalagem para discursar sobre tristeza, trauma - e também criatividade. No fundo, as reviravoltas parecem mais interessantes que o mistério em si. Se o desenvolvimento do sumiço de Edgar não for o bastante para prender a atenção do espectador, basta apenas esperar que outras camadas sejam descascadas nesse mergulho psicologizante.

Nota do Crítico
Ótimo